Eu não tenho dúvidas, não sobrou nem mesmo aquele medo de admitir que, de todos os filmes que eu assisti e daqueles que eu resenhei aqui no Estante Diagonal para a Semana Especial Oscar, este filme foi de longe, o mais difícil de resenhar.
A minha mente ficou por dias viajando, divagando sobre música, analisando e reavaliando tudo o que eu tinha visto. As palavras fugiam da minha mente e os textos, que normalmente se formam antes mesmo de começar a escrever, simplesmente desapareciam.
Quando eu começava a escrever sentia que não estava sendo justa, que não estava sendo sincera o suficiente, era como se meus textos não conseguissem demonstrar tudo aquilo que eu vi, senti e ouvi enquanto assistia o filme, por isso peço desculpas se alguma coisa, algum elemento, mesmo o menor detalhe ficar de fora desta resenha, em meio a tantos pensamentos eu posso ter deixado passar alguma coisa. Mas acredito que no final das contas, consegui falar (quase) tudo que queria.

A música Whiplash, composta por Hank Levy (compositor de Jazz e também Saxofonista), dá nome e vida ao filme. A música surge durante diversos momentos, não é à toa que ela virou também o nome do filme. Porém, apesar de ter a música, e o próprio Jazz como um ponto central, sendo este até mesmo um personagem importante do filme, Whiplash não é um filme sobre Jazz.

Ao longo da história nós conhecemos Andrew Neiman (Miles Teller), um jovem de dezenove anos que está cursando o primeiro ano do Conservatório de Música Shaffer (escola fictícia, eu pesquisei, rsrs), uma das melhores escolas de música dos Estados Unidos. Andrew sonha em se tornar um grande baterista de Jazz, ele treina, treina e treina, é verdade que o rapaz não aparece estudando teoria uma única vez, mas acredito que esse não é o caminho que o filme queria seguir e muito menos mostrar. Estando em uma escola de música de ponta, acredito que seja mais do que óbvio, que ele também estudasse teoria.
Durante uma noite de treino, Andrew é surpreendido pelos olhares, ou melhor, ouvidos de Terence Fletcher (J.K. Simmons), professor e regente da banda mais importante do conservatório, a Studio Band. O professor o assiste tocar por um tempo, e sem mais nem menos vai embora. Após alguns dias, Fletcher “invade” a aula de outro professor e observa e escuta as habilidades de cada aluno presente na aula, o único que chama a sua atenção é Neiman, que após alguns segundos tocando, recebe a notícia de que ganhou uma posição de baterista secundário na Studio Band.
A banda de Terence Fletcher é composta por diversos alunos, mais velhos e mais experientes que Andrew, porém, todos se nivelam aos ouvidos do exigente, e nada ortodoxo professor. O método de ensino de Fletcher vai contra todos os avanços nas metodologias de ensino, vai contra aquela visão de que o professor deve ser o mais amável e querido possível com os alunos. Ele é rígido, impiedoso, grosseiro, não tem medo de xingar ou humilhar seus alunos. Ele é aquele tipo de professor que leva seus alunos ao limite, pois pretende tirar o melhor de cada um. É com esse tipo de professor que Andrew deve lidar, é com esse tipo de aula que o aluno mais novo da banda deve conviver se quiser evoluir e se tornar o melhor baterista que tanto deseja ser.

Vencedor do Festival de Sundance em 2014, e de tantos outros festivais e prêmios, Whiplash é um filme que vai muito além da música, vai muito além dos estudos e da técnica de um baterista. Ele nos mostra até onde uma pessoa pode ir para ser o melhor, ou como o nome brasileiro insiste em entregar de bandeja, nos mostra até onde uma pessoa com sonhos e objetivos pode ir para alcançar a perfeição.

Durante todo o filme observamos os sacrifícios, a insistência, os limites que Andrew quebra para ser o melhor, para garantir seu cargo na banda, para provar para si mesmo e para seu professor que ele pode, que é capaz. Assistimos diversas cenas, observamos o desespero e o que aqueles objetivos, o que aqueles sonhos podem fazer, percebemos um limite, percebemos até uma insanidade que se instala no personagem (aquela cena do acidente foi chocante e eletrizante). Mas então surge aquela voz que nos lembra, quantos outros grandes artistas não ultrapassaram limites para serem perfeitos, para serem os melhores, os tempos podem mudar, mas algumas pessoas sempre irão lutar e lutar por algo, por seus objetivos.

Miles e sua ótima atuação conseguem fisgar o espectador desde o início, ele com aquela carinha de menino, meio tonto, meio perdido, conseguiu trazer o melhor de si ao personagem. Não nego que senti pena, raiva, ódio, pena novamente e orgulho de seu personagem e, por consequência, orgulho de seu desempenho. Porém quem rouba a cena é J.K. Simmons, ganhador do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, esse ator ofusca todo e qualquer talento de Miles. As cenas em que J.K. aparecem são perfeitas, ele realmente entrou no personagem e criou o melhor personagem de todo o filme (na minha mais humilde e sincera opinião). O ator conseguiu me surpreender, passa de professor sério para homem sensível, para ditador, para: “parti para a ignorância mesmo”, em um piscar de olhos.

É o personagem de Simmons que levanta outra discussão importante do filme, a de que, até onde alguém pode pressionar uma pessoa, e neste caso, um aluno para que ele de o melhor de si. Durante todo o filme o personagem de Simmons se apresenta como o pior professor da face da terra, mas ele possui um objetivo claro, que muitos só irão compreender mais para o final do filme. O que ele quer é que seus alunos deem o melhor de si o tempo todo, e se para isso ele precisa gritar, pressionar, realizar tortura psicológica e até mesmo atirar uma cadeira contra seu aluno, então é isso que ele irá fazer.

Não quero defender o personagem de J.K. Simmons, e nem mesmo seus métodos. Mas acho muito válida a questão levantada pelo filme e todas as discussões que ela pode gerar. Acredito que a cada dia que passa ficamos mais sensíveis a tudo, ficamos mais “frouxos”, ficamos mais preguiçosos e não damos o nosso máximo (dependendo da situação, do país, de pessoa para pessoa isso não ocorre, é verdade).
Hoje em dia tudo é motivo para traumas, uma crítica construtiva se torna ataque direto para a pessoa a qual ela está destinada, se uma pessoa sorri para você na rua (tão eu), ela é doida ou está querendo algo com você. Eu entendo, eu sei que existe um limite, Fletcher passou esse limite no filme, e como passou, mas acho que suas intenções são até certo ponto, boas. Ele não quer ser um ditador (sua postura é uma consequência), ele quer trazer o melhor de cada aluno, talvez seus métodos não sejam os mais adequados, mas passar a mão na cabeça de um aluno toda vez que ele faz algo errado, também não é o método correto.Acredito que falta um pouco de bom senso e de meio termo em vários pontos da sociedade, pois hoje qualquer coisinha que se diga ou faça significa preconceito, desrespeito ou perseguição. No caso do personagem, claramente existe desrespeito, humilhação e perseguição, mas existe algo por trás de tudo que poucos enxergam, e que me deixou com uma tremenda vontade de destacar! Terence Fletcher poderia alcançar o melhor de seus alunos de outras formas, através de outras técnica, sim. Provavelmente sim, mas ele decidiu seguir um padrão mais nível exército, e os resultados nós vemos no filme.Por fim, mas não menos importante, eu gostaria de comentar sobre a maravilhosa trilha sonora do filme. Antes de mais nada, preciso deixar claro que eu não sou nenhuma expert em música, muito menos em Jazz, gosto de ouvir música boa e gosto de Jazz, mas não sei dizer se esse ou aquele compositor é melhor, ou se Buddy Rich é ou não uma inspiração a ser seguida. Porém, apesar do pouco que sei e do que ouvi durante todo o filme, eu tenho que dizer que a trilha está impecável, ela se mistura tão facilmente a história, se integra de forma tão simples a cada cena, vislumbra aqueles que estão assistindo o filme.

Sei que algumas pessoas andaram criticando as escolhas do filme, as músicas escolhidas, os artistas apresentados, e até mesmo o fato de que a história de Charlie Parker e Joe Jones não é fiel a realidade (ficou curioso? Dá uma olhadinha nessa matéria do The Guardian). Mas sabe o que o que eu acho? Nem todas as pessoas que vão assistir ao filme sabem tudo sobre Jazz ou sua história, e as escolhas feitas para o filme podem não ser as mais importantes da história da música, mas elas se encaixam ao filme, trazem sensações e maior movimento para a história, e é isso o que importa. As músicas escolhidas eletrizam o espectador, trazem uma energia uma aura nova para a história, talvez se as escolhas fossem diferentes o resultado não fosse tão surpreendente e magnífico como este.

Whiplash é um filme maravilhoso que não se volta apenas para a música em si, mas destaca as ações de alunos, professores e músicos para com seus instrumentos, suas técnicas, sua vontade de crescer e evoluir, ou de descobrir a próxima lenda. A música aparece como um personagem importante, mas no final das contas quem ganha destaque são os músicos, pois sem eles, ela nunca existiria. E para uma música boa, ou uma ótima performance, vale a pena buscar a perfeição.

  • Whiplash
  • Lançamento: 2015
  • Com: Miles Teller; J.K. Simmons; Paul Reiser; Melissa Benoist
  • Gênero: Drama; Musical
  • Direção: Damien Chazelle

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