Eu lembro, como se fosse ontem, da primeira vez que fui ao cinema. Na época em que conheci as maravilhas desse novo mundo eu devia ter seis anos, talvez sete anos de idade, e morava em uma cidade pequena que havia decidido montar um cinema de apenas uma sala, mas mesmo assim fazia a alegria e encantava todos aqueles que passavam por lá.
O primeiro filme que assisti com uma enorme tela na minha frente, com um som poderoso e muitas pessoas ao meu redor, foi Mulan. Lembro até hoje da cena em que essa maravilhosa guerreira volta correndo pela neve, sendo perseguida por um enorme exército inimigo. Desde aquele dia eu sou fascinada pelo poder do cinema, e desde aquele dia aprendi muitas coisas com ele e principalmente, sobre ele. Não vou mentir e dizer que não amo aqueles filmes viajados, que nos fazem conhecer novos mundos, super-heróis e vilões, princesas e castelos, mas as vezes preciso ver o cinema se voltando para a realidade, para aquilo que somos e o que fingimos ser. Quando encontro filmes que nos mostram nossas falhas é aí que eu fico ainda mais encantada com a indústria cinematográfica.

Spotlight irá abordar um tema polêmico, mas muito mais do que simplesmente te contar uma história, ele te fará pensar, refletir, te mostrará que a verdade não é exatamente aquela que querem  que você acredite. Acho interessante ressaltar que eu possuo uma opinião bem firme com relação ao tema deste filme, e tenho certeza de que ela irá aparecer ao longo dessa resenha. Por esse motivo peço, e espero que entendam que não quero, e não estou atacando a opinião de ninguém com minhas palavras. Ao longo desta resenha estarei apresentando minha opinião sincera sobre o filme, e consequentemente sobre o assunto.

Esse filme magnífico irá nos apresentar os bastidores da investigação realizada pela equipe da Spotlight (é daí que surgiu o nome do filme), pertencente ao jornal The Boston Globe. Essa investigação se voltará para diversos casos de abuso de crianças por parte de padres pertencentes a arquidiocese de Boston. Como se não bastasse, todos esses padres, e repito, todos eles, foram acobertados pela Igreja.
Tudo começa durante a primeira reunião de Marty Baron (Liev Schreiber), novo editor chefe do jornal, com o resto dos editores do periódico. Durante esse primeiro contato ele será apresentado ao chefe da Spotlight e fará a sugestão que mudou a equipe investigativa para sempre. É durante essa reunião que Marty sugere que os profissionais retomem investigações passadas, realizadas pela equipe a alguns anos e que estava voltada a um escândalo sobre um padre abusivo.
Quando Robby Robinson (Michael Keaton) apresenta a pauta para sua equipe, o pequeno grupo de cinco repórteres irá revirar o passado, se lançará em uma empreitada por busca de pistas e informações sobre um caso antigo, anteriormente divulgado pelo jornal, mas que não recebeu o devido aprofundamento. Logo no início de suas investigações a equipe encontra diversos casos de pessoas abusadas quando crianças, além de advogados ligados aos casos. Através de suas primeiras entrevistas, de suas primeiras ligações e conversas, que a equipe acaba encontrando algo muito maior do que casos espalhados, o que eles encontram é um fenômeno absurdo e inacreditável.
Ao longo de suas investigações, os repórteres investigativos da equipe Spotlight encontraram um total de 70, isso mesmo, 70 padres abusivos. Todos esses padres tinham algo em comum, eles eram, ou foram em algum momento, encobertados por uma instituição que prega o bem, acusa e condena atos como os descobertos pela imprensa. Setenta padres realizaram atos ilícitos na cidade de Boston, e foram encobertados. A arquidiocese sabia, policiais sabiam, advogados sabiam, pais e mães sabiam e na grande maioria dos casos, ninguém fez absolutamente nada. Por possuir poder, por estar presente na vida de pessoas e pessoas, por ser influente, a instituição Igreja se desvencilhou dos casos e fez com que vítimas e mais vítimas perdessem sua voz e passassem a viver nas sombras e na vergonha que um trauma como esses é capaz de causar.
O que mais me agradou ao assistir esse filme foi ser capaz de ver a realidade sendo projetada como ela realmente é, sem rodeios, sem floreios e sem mentiras. Não consegui realizar uma pesquisa extensa, mas até onde consegui chegar já foi capaz de provar que o filme foi o mais fiel possível aos fatos, a verdade.
Spotlight nos mostra as diversas reações a esse tipo de escândalo, ele nos apresenta diversos pontos de vista e isso é maravilhoso pois não manipula e sim demonstra e explica. Como se não bastasse, o elenco e a atuação de cada ator está impecável. O que vemos durante o filme é real e verdadeiro, encontramos atores fazendo seu trabalho da melhor forma possível pois eles demonstram a realidade como ela é. Aqui não existem cenas escandalosas, apelativas, caricatas, você verá tudo aquilo que vemos todos os dias: sobreviventes, mentirosos, batalhadores, aproveitadores, tudo aquilo que torna a nossa sociedade boa e ruim.
O filme, apesar de não possuir carros explodindo, pessoas morrendo, mulheres chorando absurdamente ou homens procurando vingança, é capaz de ser ainda mais tenso. Encontrei um comentário muito interessante relacionado a esse filme, certa pessoa foi inteligente o bastante ao dizer que “esse foi o melhor filme de terror que já havia assistido em toda a vida, pois ao finaliza-lo ela sabia que aquilo tudo era real”, e nós todos sabemos que esses acontecimentos realmente aconteceram, ainda acontecem e provavelmente (infelizmente) irão acontecer por mais tempo.
A forma como tudo se desenrola é simples e leve, porém essa leveza é substituída de maneira gradativa por uma tensão palpável. O filme foi muito bem executado, de maneira simples você irá descobrir tudo aquilo que os repórteres descobriram lá atrás, no ano de 2001. O telespectador será preso até que o filme acabe, será jogado de um lado ao outro em busca de respostas, ficará angustiado e acreditem, o final não ajuda e te fará pensar por dias e dias.

Para fechar com chave de ouro, nós temos as informações antes dos créditos. Não se enganem, elas estão ali por um motivo muito maior do que chocar, maior do que gerar polêmica. Aquelas informações estão ali para alertar a sociedade sobre um problema sério, enfrentado por diversos países, sendo eles ricos ou pobres, de grande ou pequena extensão. Mas o pior é saber que esse problema muitas vezes é escondido, desmentido, encobertado.Achei ridícula a história do padre brasileiro que pretende processar os produtores do filme, fico revoltada ao ver pessoas fechando os olhos para um problema tão sério, acho terrível e inconcebível saber que policiais, advogados e sabe-se lá quem mais, são peças chave na hora de fazer com que esses casos fiquem por debaixo dos panos. Não são apenas algumas maçãs podres, apenas em Boston foram reconhecidos 249 casos de padres abusivos. Se nessa cidade houveram tantos casos, imagine no resto do mundo?! Pense naquelas cidades, estados ou países em que a imprensa não consegue desvendar os mistérios. Mas acima de tudo, não esqueçam que é de crianças, ingênuas, puras e indefesas que estamos falando.

Em resumo, Spotlight é um filme que merece a atenção do público. Aqui não importa sua religião, suas crenças e sua fé, o que o filme pretende destacar e condenar são os atos de humanos errados. Se o filme merece um Oscar? Merece com toda a certeza que cabe dentro da mente da pessoa que vos fala. Esse filme cumpre com o que promete, te faz refletir, pensar, mudar de opinião ou não, mas nunca pede que abandone sua fé ou o que você é, tudo o que ele quer é mostrar que o problema está aí, e assim como a vida imita a arte, a arte imitará a vida, seja ela bela ou terrivelmente cruel.

  • Spotlight
  • Lançamento: 2016
  • Com: Mark Ruffalo; Michael Keaton; Rachel McAdams
  • Gênero: Drama, Drama Biográfico
  • Direção: Tom McCarthy

rela
ciona
dos