Sei que isso pode soar como algo que você, querido e fiel leitor do Estante Diagonal, já ouviu antes. Acredite, você já ouviu essa história antes. É provável que ela tenha aparecido através de outro olhar, com outra roupagem, possuindo detalhes diferentes e relacionada a outro contexto, mas você já ouviu essa história antes!
Durante anos e anos … Por quinze anos, se me arrisco a ser mais exata, ouvi falar de um Diário. Diário este que vinha a pertencer a uma moça conhecida por Bridget Jones. Durantes todos esses anos me vi curiosa com relação ao conteúdo desse objeto pessoal, ouvia histórias engraçadas, absurdas e fofas relacionadas  a essa personagem, e, com o passar do tempo, comecei a acreditar que já conhecia aquela mulher. Após anos de histórias, segredos e fofocas, pensava ser amiga de longa data dessa mulher. Lembro de, veja o tamanho de minha indiscrição, ter visto alguns flashes, pequenos pedaços de sua vida e suas falhas passando na televisão. Mas como estava errada, e como fiquei feliz, animada e encantada por ver que, não, não conhecia absolutamente nada do conteúdo do Diário de Bridget Jones!

Adoro os encantos do inverno. Eles nos mostram que estamos à mercê das intempéries e que não devemos focar tanto na nossa aparência nem em trabalhar demais, e sim ficar aquecidos e ver tevê.

Recentemente a Paralela, selo pertencente a editora Companhia das Letras, relançou, repaginou, trouxe novamente todo o brilho e bom humor dessa personagem que, em 2016 completa  vinte anos de falhas, dramas e muito amor. Não vou me ater aos encantos confusos e questionáveis da antiga capa, pois o passado é passado e devemos focar no futuro. Assim, declaro com todas as letras que a editora não poderia ter escolhido melhor ao mudar as capas e criar uma identidade para toda a série criada por Helen Fielding.

Pensando em toda a trajetória da personagem, observando suas neuras, a nova capa, a comemoração de vinte anos do lançamento do primeiro livro, não poderia deixar esse livro, que conquistou fãs ao redor do mundo, fora do Estante Diagonal. Afinal, nada mais digno do que resenhar um livro que mesmo após vinte anos de publicação, continua atual e afiadíssimo, um espelho do que a sociedade ainda é, mesmo com as mudanças que observamos desde seu lançamento.

Bridget alcançou a temível (talvez nem tanto) casa dos trinta. Bridget Jones é solteira, e muitos podem observar o fato de que ela possuí trinta anos e ainda é solteira (vamos combinar, em algum momento você iria reparar nesse detalhe). Ela adora uma boa taça de vinho, a inebriante felicidade que a concentração de álcool no sangue é capaz de trazer. Adora a companhia de suas amigas, seus conselhos e seu suporte, adora saber que elas estarão lá para qualquer situação. Tudo bem, ela adora companhia e uma boa desculpa para a ingestão de álcool. Bridget pensa muito, mas muito, em como ela chegou a esse estado, como ela ainda não conseguiu arrumar um homem decente para chamar de seu e como sua vida parece não tomar os rumos que poderia, merecia, deveria tomar. Bridget possuí um trabalho como qualquer outro, mas não se trata de uma carreira. Ela tem uma quedinha pelo chefe e tudo o que ela quer é um namorado; perder peso; parar de fumar; mudar de vida; arranjar um namorado descente e … bem, suas reflexões serão focadas nesses temas. É triste, mas é verdade. A sociedade, nossa sociedade julga essa querida e adorável personagem por sua situação, sua posição e, qualquer semelhança deste parágrafo com uma certa música da Lily Allen, é mera coincidência. Mas vamos combinar, iria cair como uma trilha sonora perfeita, escuta aí vai.
A obra é realmente um diário pessoal da personagem. Através de seus dias, de sua rotina, pensamentos e reflexões, a personagem nos apresentará sua vida, como ela realmente é, sem filtros, sem floreios, mas sim, cheia de dramas, neuras e confusões. É através dos olhos da personagem, de suas falhas, seus dramas, sua insegurança tremenda, de sua paixonite pelo chefe, sua aversão por Mark Darcy, suas noitadas e seu emprego que perceberemos as semelhanças da ficção com a realidade. É difícil não se identificar com pelo menos uma situação, um pensamento, uma reflexão da personagem, a obra foi pensada, planejada e criada para garantir que o leitor fosse capaz de se identificar, e, caso isso não viesse a acontecer, o arremate acontece por meio da grande empatia gerada em torno de Bridget. Em seu diário acompanharemos seu ano agitado; o caso com o chefe; o jantar que não deu certo; a mudança de emprego e os encontros adoráveis com Mark Darcy. Entraremos de cabeça na vida da personagem, e o mais importante, iremos nos apegar às suas falhas e pensamentos acertados que nos remetem a nossa própria realidade.

Batalho para fechar o mês e riem de mim porque sou solteirona, enquanto Magda mora numa casa enorme, com potes contendo oito tipos de macarrão e faz compras o dia inteiro. Mesmo assim, está super deprimida e insegura, achando que eu é que tenho sorte…

O Diário de Bridget Jones, se não se importarem com meu atrevimento e minha ansiedade por comentar sobre esse detalhe, é, até certo ponto, um Orgulho e Preconceito repaginado. Não digo que a obra seja uma releitura do clássico de Jane Austen, mas destaco que, embora muitas vezes de maneira sutil, ela irá apresentar sim, elementos que remetem à outra obra, o que fez com que meus olhos brilhassem e começasse a babar arco íris! A obra é uma visão de nós mesmos, de nossa sociedade, das trapalhadas em que nos metemos e das neuras que possuímos, mas também existe amor, frescor e momentos engraçados, e não podemos esquecer do querido e adorável Mark Darcy, que, embora repaginado, lembra o Darcy original.
Bridget é a materialização em papel, em palavras, de todas as inseguranças da mulher atual, e é justamente por esse motivo que a personagem precisa carregar uma carga tão grande de insegurança consigo. Ela representa todas as vezes que erramos, que não soubemos como agir, todas as vezes em que pensamos e repensamos sobre o próximo movimento, sobre o que fazer com relação as dificuldades (muitas vezes criadas por nossas mentes estranhas) da vida. Ela retoma nossas neuras, nossas imperfeições e apresenta tudo isso da maneira mais maravilhosa possível. A obra é fresca, engraçada, bem-humorada, mas também crítica e reflexiva, o mundo real não fica de fora, ele é palco para nossa personagem. Porém, é necessário relevar e saber olhar para a obra. Se observarmos todas as falhas, ações e insegurança da personagem, o que ela realmente é, com certeza iremos, no mínimo, se irritar com suas neuras e dramas, nos incomodaremos com suas falhas, com seus tropeços e as vezes em que cai de cara no chão. Mas o segredo do livro é que ele deve ser levado a sério em certa medida, sem nunca esquerdecer a graça da vida.

Passei o fim de semana inteiro sem ter ninguém para amar nem com quem se divertir. Não tem importância. Comprei um delicioso pudim de gengibre na M&S e vou colocar no micro-ondas.

O Diário de Bridget Jones completa vinte anos e mostra que não perdeu seu brilho! A obra pode não ter chegado na casa dos trinta anos, assim como sua personagem, mas é capaz de mostrar com bom-humor e ironia tudo aquilo que nos torna quem realmente somos. E não venha me dizer que nunca passou, pensou em algo, ou mesmo presenciou algumas das situações e pensamentos expressados nesse livro. A obra tornou-se um clássico por, mesmo após vinte anos de publicação, conseguir mostrar o que somos, a sociedade em que vivemos e ainda estampar para o mundo todo ver que, ser imperfeito pode ser a coisa mais perfeita do mundo!

Confira a crítica da última adaptação da série, O Bebê de Bridget Jones, mas cuidado com possíveis spoilers 😉

  • Bridget Jones’s Diary
  • Autor: Helen Fielding
  • Tradução: Beatriz Horta
  • Ano: 2016
  • Editora: Companhia das Letras
  • Páginas: 286
  • Amazon

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