Quando, em algum ponto temporal de 2016, o primeiro lançamento do novo selo da Darkside era anunciado, confesso que você poderia me encontrar dentre o grupo de pessoas curiosas com a nova empreitada da editora. O selo Crânio surgia no horizonte como algo novo, uma tentativa de expandir o conteúdo da caveirinha para muito além do mundo fantástico de monstros, zumbis ou princesas de reinos distantes. Sua intenção principal era inserir o mundo real na mente dos leitores apaixonados pelo trabalho da editora, era mostrar a magia que pesquisadores e estudiosos descobrem ao analisar nosso mundo, era garantir que obras de não ficção possuíssem um lugar tão especial quanto qualquer outro livro possuí. E foi assim que Onde Nascem os Gênios surgiu.
Por muito tempo, após ter finalizado a leitura dessa obra, encarei o que me aguardava, as páginas em branco de um arquivo virtual, com receio e dúvidas. Mas ao mesmo tempo, começava a sentir uma pontada cada vez maior de ansiedade.

Os gênios possuem uma determinação ferrenha, uma disposição para começar e recomeçar novamente que, embora não se encaixe em nossa ideia romântica de criação sem esforço,  ainda assim é crucial. O que distingue o gênio dos outros não é necessariamente quantas vezes ele tem sucesso, mas quantas vezes recomeça.

Uma coisa é escrever a resenha de uma obra do gênero fantasia, de uma história inspirada em fatos reais, de um livro de memórias. Outra extremamente diferente, é escrever a resenha de um livro acadêmico, apontar o dedo para a pesquisa de alguém, para as conexões feitas após muito se estudar, muito se pensar, elaborar, formatar e reformular.

Quando nos propomos a comentar um livro acadêmico – vou explicar melhor adiante – o olhar muda, as fórmulas a que estávamos acostumados se tornam inúteis e o melhor a fazer é seguir um caminho contrário àquele que normalmente seguiríamos. Foi através de muito esforço, de um caminho novo com aspecto antigo, de dias encarando as páginas que hoje se transformaram nesse resenha, da tentativa de colocar em ordem os pensamentos e reflexões que entraram em um redemoinho constante, e é claro, após boas xícaras de café, que nasceu uma resenha arriscada sobre um livro acadêmico.

Onde Nascem os Gênios, título escolhido para a publicação aqui no Brasil, na realidade foi batizado de A Geografia do Gênio: Uma Busca pelos Locais mais Criativos do Mundo da Antiga Atenas até Silicon Valley. Com um nome sóbrio, daqueles que mostra a que veio, o livro talvez não alcançasse o apelo que alcançou caso possuísse o título original. É mérito da editora a percepção de que acadêmicos não possuem, necessariamente, apelo de mercado, e que para essa empreitada dar certo, o livro de Eric Weiner deveria apresentar um título instigante, misterioso, capaz de fisgar novos leitores ao mesmo tempo em que deixava os mais exigentes pulando de alegria. Confesso que estou nas duas opções.

Os acertos acabam em museus e estantes das bibliotecas, não os erros. O que, se pensarmos a respeito, é uma pena. Isso alimenta o mito de que os gênios acertam de primeira, que eles não cometem erros, quando, na verdade, eles erram mais que o restante de nós.

Através de uma escrita direta, simples e muito bem-humorada, Eric Weiner ganha o posto de guia de viagem, se transforma no companheiro ideal, é capaz de desbravar a trajetória histórica das figuras que hoje reconhecemos por gênios. Com precisão e foco, o autor destaca as mudanças de ares, as diferenças encontradas nos maiores centros de cada época, centros estes que produziram
mentes brilhantes.
Através da análise de épocas, momentos e contextos históricos, cidades específicas, das personalidades que hoje reconhecemos e adoramos (no real sentido da palavra), das características materiais ou até mesmo culturais de cada localidade, descobrimos as nuances capazes de fazer surgir mentes geniais.
Confesso que meu maior medo, no exato momento em que iniciei a leitura desse livro, era encontrar uma visão equivocada da genialidade. Logo nas primeira páginas, porém, percebi que meus medos eram infundados e que estava diante de alguém com as mesmas visões que possuía as mesmas visões de mundo, mas que, é claro, pesquisou e sabe muito mais do que minha humilde pessoa. Encontrei nas páginas dessa obra um desbravador, alguém com algo para contar e com as melhores intenções, alguém que encarou a difícil e gratificante tarefa de viajar o mundo, realizar extensa pesquisa e colocar no papel a realidade guardada a sete chaves pelos senhores do mundo.
Ao retirar a genialidade do altar em que está posta, Eric Weiner é capaz de observar cada época, cada momento histórico, cada cidade e personalidades que ali surgiram, com um olhar novo, desmistificado. Para além de todos os detalhes já comentados, o autor realiza um trabalho magnífico no sentido de desmistificar a figura do gênio e ainda evidenciar as diferenças de visão e tratamento que cada sociedade lançava sobre seus gênios, sobre suas figuras criativas e de grande valor. Sua visão não possuí preconceitos, não evidencia uma cultura em detrimento de outra. O autor demonstra a genialidade tanto em sociedades ocidentais quanto nas orientais, e assim, com outra escolha certeira ele me conquistou.

Desde o início, o café foi considerado perigoso. Ele era conhecido como a “bebida revolucionária”, o estímulo das massas. Quando as pessoas bebiam café, ficavam agitadas, e sabe-se lá  onde essa agitação poderia dar.

Por se tratar de um livro acadêmico estrangeiro, Onde Nascem os Gênios ainda apresenta a vantagem de possuir uma escrita simples e fácil de ser entendida. Para aqueles que nunca tiveram contato com obras do gênero, é interessante destacar que livros e artigos escritos na língua inglesa – ao contrário da grande maioria brasileira – não apresentam grande impedimentos ao leitor, assim, no momento da tradução o mesmo se repete. Porém, ao apresentar uma escrita simples e direta, não estou dizendo em momento algum que o livro seja leve, muito pelo contrário, ele é denso. Denso no sentido de possuir informação, de possuir conteúdo, de exigir que o leitor esteja focado naquilo que lê e que venha a refletir sobre aquilo que encontrou.
Por mais estranho que possa parecer, Onde Nascem os Gênios, além de apresentar informações novas, me fazer refletir e ser capaz de conversar comigo sobre elementos que também acredito, foi uma obra que me emocionou, me tirou boas risadas, foi além de tudo o que poderia esperar. É difícil e dura a tarefa de resenhar um livro acadêmico,  demonstrar para um leitor em potencial que muito mais do que entreter, a obra irá modificar sua visão de mundo, o fará refletir. Apesar de possuir a edição maravilhosa da Darkside, de possuir apelo comercial e apresentar uma escrita de fácil acesso, a obra por si só é quem rouba a cena.
Precisamos começar a pensar na criatividade não como uma indulgencia privada, mas como um bem público, parte dos bens comuns. Nós temos os gênios que queremos e merecemos.
Em um país onde os acadêmicos sentem a necessidade de manter-se distante, de, mesmo sem perceber, evitar o acesso e contato com obras importantes e informação capaz de mudar a visão do mundo. Em um país em que a população como um todo não valoriza a leitura, seja ela do gênero que for. Em um país em que livros específicos são escritos em linguagem complexa e muitas vezes ineficiente, saúdo a empreitada da Darkside. Me encanta ver uma editora se arriscando, trazendo uma obra de não ficção com a mesma roupagem, cuidado e carinho que traria para um livro de fantasia. Não sei dizer onde o selo Crânio irá chegar, mas sei que, se depender dessa pessoa, ele será defendido com unhas e dentes. Mal posso esperar para ver quais outros mistérios desvendaremos através do olhar sem vida de um crânio.

  • The Geography of Genius: a Search for the World’s most Creative Places form Ancient Athens to Silicon Valley
  • Autor: Eric Weiner
  • Tradução: Dalton Caldas
  • Ano: 2016
  • Editora: Darkside Books
  • Páginas: 341
  • Amazon

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