Ano passado tive a oportunidade de conhecer a obra steampunk do autor nacional e meu conterrâneo, Enéias Tavares. Lançado em 2014 pela Leya, a obra é o primeiro de uma série chamada Brasiliana Steampunk e hoje vou falar um pouquinho sobre ela aqui para vocês.

Primeiramente, acompanharemos a chegada do jornalista Isaías Caminha na cidade de Porto Alegre dos Amantes. Ele está incumbido de cobrir um caso que chocou a cidade gaúcha. Ele deve entrevistar o assassino, um respeitável e refinado médico. O Dr. Antoine Louison se encontra preso no asilo São Pedro, um local que recebe homens psicóticos e mulheres histéricas administrado pelo alienista Simão Bacamarte. Após o dia da entrevista, que fora bastante perturbadora, espalha-se a notícia que o assassino em série havia escapado e não há nenhuma pista sobre o seu paradeiro.
Desta forma, jornalista e leitor embarcam neste mistério tendo que desvendar as reais motivações do assassino e o que estaria por trás dos crimes de cunho tão cruéis. No meio desta jornada, Isaías depara-se com o Parthenon Místico, uma sociedade secreta de figuras cultas que acreditam que os atos de Louison são completamente aceitáveis. Neste grupo conheceremos Solfieri de Azevedo, o imortal, o cientista Dr. Benignus, o casal Sergio Pompeu e Bento Gonçalves e a médium e encantadora Vitória Acauã. Em um Brasil retrofuturista de 1911, estes personagens desvendarão a verdadeira podridão deste caso.

Tratava-se de Madame de Quental. Ao ser apresentado a ela como um alienista, a ilustre dama, que afastava de si o calor com um exótico abanador escuro, sorriu com dentes cintilantes e disse-me que agora estava aliviada, pois população do Porto dos Amantes estava indubitavelmente salva. Ao questioná-la perguntou-me se não fora avisado de que todos naquela cidade eram “loucos, insanos, dementes e psicóticos.

Se alguns desses nomes citados não lhe são estranhos, saiba que tal fato não é mera coincidência. Enéias Tavares utilizou de aclamados personagens da literatura brasileira para compor sua própria história e assim percebemos que há muitos da personalidade dos personagens reais nesta trama. Apenas nesta história é possível imaginar tais personagens vivendo num cenário retrofuturista e interagindo com outros dentro do mesmo contexto. O autor fez uma grande homenagem aos grandes autores brasileiros, aqui Alvares de Azevedo, Machado de Assis, Raul Pompea, Apeles Porto Alegre dentre outros, ganham uma nova roupagem. Uma nova abordagem para que seus personagens conquistarem, quem sabe, uma nova parcela de leitores.

Também nem só de conhecidos nomes esta história é criada, o autor apresenta ao longo da leitura personagens tão marcantes e carismáticos, que ao meu ver, nada devem em relação aos outros. Dentre estes personagens estão retratadas personagens femininas bastante fortes, como as integrantes do Palacete dos Prazeres onde encontramos Léonie, Pombinha e Rita Baiana, sem dúvidas este foi um dos pontos altos do livro.

Foi na mesma época que eu descobri a necessidade de estar só comigo mesma, de ler e ser lida na leitura que fazia dos outros. Ora, uma mulher pode tudo e pode ter tudo, se dela partir a coragem de se ouvir e de ouvir nos outros suas míseras fraquezas.

A narrativa é feita através de cartas e depoimentos documentados em forma de dossiê, tudo sob a perspectiva de vários personagens. Portanto, Isaías não será o único protagonista. Esta experiência é bastante única, pois cada um tem sua origem e são de classes sociais diferentes, portanto, há uma diferenciação na narrativa notável em cada capítulo e cada um apresenta uma visão dos fatos. A escrita é trabalhada de diversas formas pelo autor, as vezes rebuscada, vezes não. A grafia utilizada é a mesma que utilizávamos no início do século XX, mas isso de nada atrapalha a leitura.

A qualidade da edição também é admirável. A diagramação está ótima para a leitura, a ilustração da capa é condizente com a trama e os detalhes da guarda com as engrenagens, ornam perfeitamente com a edição e o gênero. No site do autor é possível ver algumas ilustrações dos personagens, caracterizados exatamente como são descritos no livro. O livro é divido em seis partes mais conclusão. Para localizarmos cada parte, podemos contar com um sumário, que não poderia ser simplesmente um. Cada parte conterá uma introdução com recursos estilísticos de rima, o que enriquece ainda mais a obra como um todo.
Em um apanhado geral, o ponto que se destaca dentro do enredo é a contextualização do cenário, que está impecável. Com o auxílio de um mapa da cidade é possível imaginar cada detalhe que o autor apresenta. Como um bom steampunk deve ser, ao longo da leitura nos depararemos com objetos inimagináveis, dirigíveis sendo o meio de transporte que domina os céus, robôs mecânicos e máquinas de todos os tipos. Sem dúvidas um deleite para os fãs do gênero.

Por trás de toda a trama em si, a história fará sutis críticas contra a sociedade, que mesmo dentro do gênero, reflete igualmente em muitas coisas que vivenciamos hoje em dia. Dentre as críticas sociais o autor cita o preconceito de forma geral, a religião e o fanatismo, ou seja, além de um ótimo livro de entretenimento, Eneias Tavares nos proporciona uma certa reflexão que se encontra intrínseca em suas páginas.

Ao meu ver, A Lição de Anatomia do Temível Dr. Louison é um ótimo livro para ser trabalho dentro das salas de aulas, uma porta de entrada para os “temidos” clássicos nacionais. Nele há todas as características que envolvem completamente os leitores. Há mistério, construção de cenário, enredo, elementos fantásticos e como um extra, resquícios de personagens tão importantes da nossa literatura. Se você procura um bom quebra-cabeça contextualizado em cima de tudo que já mencionei, sem dúvidas este é o livro certo para você.

  • A Lição de Anatomia do Temível Dr. Louison
  • Autor: Enéias Tavares
  • Tradução: -
  • Ano: 2014
  • Editora: Leya
  • Páginas: 304
  • Amazon

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