Há alguns meses eu tive o meu primeiro contato com o autor Haruki Murakami. Foi um desafio bastante interessante ler os primeiros escritos do autor sem ter tido nenhum contato com outra obra dele. No livro, também publicado pela Alfaguara esse ano, Ouça a Canção do Vento | Pinball, 1973, nós temos um prefácio de poucas páginas onde ele fala como essas novelas surgiram na mesa da cozinha. Ter tido esse pequeno contato direto com o autor despertou o meu interesse em conhecer mais de suas obras e também de sua trajetória. É exatamente isso que encontramos no Romancista como vocação.
Pelo sumário, dividido em onze tópicos, o leitor pode até correr o risco de julgar que esse seja mais um livro escrito por um autor famoso sobre como as pessoas devem escrever. De fato, Murakami oferece boas dicas, mas o jeito livre com que ele trata cada tópico mais parece uma conversa bem sincera do que um manual de escrita. O livro propõe abordar vários aspectos que envolvem a vida de um romancista trazendo bastante exemplos pessoais do autor.
Ele fala tanto sobre como são os romancistas, tentando desfazer alguns estereótipos do escritor problemático que se envolve com bebidas e vive jogado em um sofá, como também fala sobre as contradições em ser e estar entre eles. O cenário literário no Japão e em outras partes do mundo também são questões tratadas. Em um capítulo, o autor japonês se propõe a criticar as instituições escolares e até mesmo o sistema social do seu país. Claro que no meio disso tudo, Murakami também dá algumas dicas pontuais sobre como buscar inspirações, o hábito da escrita, o uso de primeira e terceira pessoa nas histórias e como a sorte também pode estar envolvida nesse processo de ser um romancista.

A qualidade dos materiais não é muito importante. O indispensável é a mágica. Ela pode criar um ‘aparelho’ incrivelmente sofisticado, mesmo se tivermos apenas materiais cotidianos e usarmos palavras simples.

Ao terminar esse livro, o meu anseio por conhecer mais obras do autor só aumentou. Eu não consegui passar um capítulo sem falar “ele tem razão!”. A desconstrução que ele faz do escritor e sobre como ele acredita no equilíbrio do corpo e da mente para que se possa exercer essa profissão é muito interessante. O jeito como ele defende uma escrita mais simples e não se importa com as críticas – talvez um pouquinho – tendo sempre como foco o “leitor imaginário”, só fez com que a minha admiração por ele crescesse.

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Em alguns momentos, ele chega a desencorajar na cara dura alguns tipos de pessoas que segundo ele não fazem o perfil certo para ser um romancista. Mas a todo momento, ele também se preocupa em dizer que são opiniões dele de conclusões que ele tirou de sua própria experiência. Chega a ser fofo ver ele levantando a bandeira de se sentir bem com o que se escreve em primeiro lugar independente das regras da alta literatura.

Haruki Murakami tem uma visão de mundo maravilhosa que se reflete no seu olhar para sua própria vocação de romancista. Em pouco mais de 160 páginas, ele consegue abordar assuntos que levantam o interessante não apenas dos escritores ou jovens que buscam seguir essa profissão, mas de qualquer amante da literatura que gostaria de conhecer os bastidores de como alguém vira um romancista.

Desejo secretamente que os romances que escrevo assumam esse papel positivo no mundo, mesmo que de forma sutil.

Algo que pode parecer pequeno para alguns leitores, mas que eu notei nessa edição da Alfaguara é que o Romancista como vocação foi traduzido direto do original em japonês. As vezes muito da essência de um livro pode se perder quando uma editora trabalha com a tradução de uma obra em outra língua ao invés do original. Achei muito legal da editora em ter essa preocupação. Faço um último comentário sobre o design gráfico da capa que está maravilhoso.

  • Shokugyo Toshite No Shosetsuka
  • Autor: Haruki Murakami
  • Tradução: Eunice Suenaga
  • Ano: 2017
  • Editora: Alfaguara
  • Páginas: 168
  • Amazon

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