Lançado no segundo semestre de 2016 pela editora Aleph, Coração de Aço é a segunda leitura que faço do autor Brandon Sanderson e foi incrível perceber logo nas primeiras páginas o quanto a escrita de um autor pode mudar de um livro para outro. Esta habilidade mutável, faz com que Brandon, seja, provavelmente, um dos poucos autores capazes de escrever para diversos públicos e de criar histórias de diferentes gêneros.
Neste universo, a Terra já não é mais a mesma. Após o surgimento de uma estrela de fogo, chamada Calamidade, misteriosamente algumas pessoas receberam superpoderes, passaram a ganhar habilidades sobre-humanas e a controlar os mais diversos tipos de elementos. Estas pessoas passaram a ser chamadas de Épicos e ao contrário do esperado, eles acabaram virando os vilões, oprimindo as pessoas comuns e tomando o controle das cidades.

Antes de tudo isso, há dez anos, David presenciou a morte do seu pai, a única pessoa que havia feito Coração de Aço sangrar, mesmo que por acidente. Para manter esta fraqueza segura, todos os que estavam juntos de David e seu pai foram mortos e enterrados pelo próprio Épico, porém, David conseguiu fugir e cresceu com o desejo de vingança. Durante dez anos ele estudou todos os Épicos, suas fraquezas e suas motivações, até conseguir chegar perto e executar Coração de Aço. Para concluir sua missão, David buscará a ajuda dos Executores, um misterioso grupo de rebeldes que desejam acabar com a opressão do governo tirano dos Épicos.

Muitos de vocês provavelmente sabem da cicatriz na bochecha de Coração de Aço. Bem, até onde posso determinar, sou a única pessoa viva que sabe como ele a conseguiu. Eu já vi Coração de Aço sangrar. E o verei sangrar de novo.

A distopia criada por Brandon Sanderson apresenta um cenário bastante interessante. Nova Chicago, dominada por Coração de Aço, revela-se um verdadeiro caos entre as ruas e os tuneis subterrâneos criados pelo poder do Épico. Apesar de toda a desgraça, Nova Chicago é uma das poucas cidades que apresentam um certo tipo de organização e que oferece alguma dignidade para as pessoas comuns. Apesar de dedicarem uma vida para a servidão, a estrutura desta sociedade se mostra um pouco organizada e aceitável de se viver.

Com uma narrativa em primeira pessoa, imergimos numa aventura épica em um universo que poderá agradar não só fãs de super-heróis, mas leitores de outros nichos de gênero também. A trama se desenrola de forma rápida e cheia de ação, estabelecendo seu ritmo narrativo logo nas primeiras páginas. Logo seremos apresentados ao plot principal da trama e as motivações de cada personagem. Brandon Sanderson direciona o leitor de forma impecável e instigante e continua apostando em núcleos notáveis de personagens.

Uma das melhores coisas nesta sociedade estabelecida é a hierarquia no comando desta cidade, que é muito bem apresentada pelo autor. Entendemos quem está a baixo de Coração de Aço, superior devido sua invulnerabilidade, do porquê outros Épicos serem classificados por seus poderes e habilidades e de alguns até serem considerados inferiores. Depois desses, chegamos aos membros da Patrulha, que são a polícia desta sociedade, mas formados apenas por pessoas comuns e que de alguma maneira acabam ganhando certas habilidades. Com um ótimo cenário estabelecidos, somos agraciados pelo segundo ponto alto do livro.

Os épicos são e não são o destaque da trama. Coração de Aço mesmo, aquele que dá o nome ao livro, mal aparece. Temos uma apresentação bastante superficial sobre o personagem, o que me decepcionou num primeiro momento, mas logo entendemos que o foco precisa ser em David e nos planos dos Executores que se munem das mais variadas tecnologias e táticas de guerra para derrubarem o governo Épico. Pela perspectiva dos Executores seremos apresentados a personagens secundários bastante complexos, dentre eles está Prof, líder do grupo e que também guarda seus próprios segredos.
Apesar do universo excepcional, um ponto em especifico me incomodou durante a leitura, o que acabou desencadeando, aos meus olhos, uma certa birra minha quanto a narrativa em primeira pessoa e mais despojada do autor. Apesar de entender que o protagonista é um jovem com seus 18 anos recém completados e que seus hormônios estão flor da pele, a falta de maturidade dele em certos momentos me desagradou. Em momentos de extrema ação, o autor interrompe o ritmo narrativo para dar espaço a consciência do personagem. Neste ponto, nada exagerado, porém, estes pensamentos não agregam em nada a construção narrativa. É apenas uma forma mais óbvia de David expressar seu interesse afetivo por Megan, uma das novatas no grupo dos Executores.

Óbvio que isso é algo extremamente pessoal e deve variar de leitor a leitor. Mas o ponto positivo disso é que esta impressão também não deixa de ser algo surpreendente. Após sair de Elantris, um livro de alta fantasia onde a narrativa era em terceira pessoa, e me deparar com uma mais direcionada ao público jovem adulto me chocou um pouco. Era como se eu tivesse em mãos, um livro escrito por outro autor, foi um baque interessante, mas ainda prefiro ficar com a narrativa em terceira pessoa de Sanderson.

Como um apanhado geral, entre pontos positivos e outros nem tanto, Coração de Aço foi uma boa leitura. Como leitora, me cativou e me fisgou com os pontos e nos momentos certos. A história tem um bom enredo, com personagens interessantes mesmo dentro de suas irritabilidades, friso bem. Pode não ter me conquistado completamente, mas que com certeza, fez o suficiente para que despertasse a minha curiosidade quanto as sequencias da trilogia. Talvez toda a minha birra quanto a David seja passageira e amanhã ou depois eu mude de opinião e ele vire para mim o herói merecido para esta história.
A verdade é que Coração de Aço, dentre seu teor de entretenimento, irá abordar essencialmente questões humanas, sendo uma dessas as discussões éticas. É uma trama onde o ódio e o desejo de vingança se mostrarão tão perigosos quanto o poder. David é dominado por estes sentimentos da mesma forma que o poder consome e corrompe os Épicos. O equilíbrio destes conflitos é estabelecido nesta primeira edição, que irá apresentar uma luta que se prova ainda maior. Com uma trama de tirar de fôlego e de certa forma bem-humorada, Brandon Sanderson me surpreendeu por mais uma faceta, uma característica que provavelmente poderá cativar novos leitores e que surpreenderá os antigos também.

  • Steelheart
  • Autor: Brandon Sanderson
  • Tradução: Isadora Prospero
  • Ano: 2016
  • Editora: Aleph
  • Páginas: 376
  • Amazon

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