Sinceramente gostaria de descobrir por onde andei, pois nunca tinha ouvido falar em Daniel Clowes, um dos quadrinista mais conhecidos dos últimos tempos. Ganhador de diversos prêmios, Ghost World foi adaptado para os cinemas em 2001 e ganhou a direção de Terry Zwigoff e foi estrelado por Thora Birch e Scarlett Johansson. Extremamente elogiado pela crítica, o filme também ganhou diversos prêmios, além de duas nomeações para o Globo de Ouro e uma indicação ao Oscar.
A obra em questão contará a história de duas garotas que se encontram no final da adolescência, início da vida adulta. Enid Coleslaw e Rebecca Doppelmeyer recém saíram da escola e com personalidades bastante peculiares, as duas amigas se veem indecisas diante a pressão social pós-ensino médio. As incertezas que as confrontam são muitas. Qual é o próximo passo? Faculdade, relacionamentos, emprego… são muitas as dúvidas, mas o que mais pesa sobre elas é o futuro dessa amizade e como elas poderão leva-la mediante uma nova realidade. Juntos, personagens e leitores, embarcam numa jornada de inúmeras possibilidades no cenário cotidiano de qualquer adolescente.

…de repente eu não devia ir com você… é meio doentio te perseguir assim… nossa, se eu parar pra pensar, é triste…

Entre as páginas desta graphic novel, presenciamos Enid e Rebecca debatendo sobre assuntos banais, sobre suas preferencias, sobre meninos, experiências e amigos, conjecturam sobre um estranho casal satanista e também sobre o mistério por trás de um estranho morador de rua. Os diálogos são construídos com a linguagem dos anos 90, bem típica da utilizada pelos jovens desta idade, então vão conter um certo humor ácido e divertido, desenvolvendo bem o que é/era a realidade na comunicação dos jovens.
A narrativa não é linear, o que eu achei um ponto alto da história. Somos jogados entre memorias e pensamentos, o presente e até o futuro durante os quadrinhos. As personagens também quebram a quarta parede por alguns momentos e falam diretamente com o quadrinista, pedindo que o mesmo lhes dê um final digno, adorei a ideia. Não sei se esta foi uma dinâmica exclusiva desta edição comemorativa, mas achei que a ferramenta funcionou muito bem.
A história de Enid e Rebecca não chega a ser extremamente profunda, mas se você a ler atentamente, perceberá que a mesma se destaca pela sutil beleza do seu significado. A figuração de uma etapa tão complicada de nossas vidas, onde começamos a construir nosso carácter e planos para o futuro. É uma jornada retratada de uma forma singela, como uma simples conversa entre duas amigas, mas que não para por aí. É uma obra digna da complexidade juvenil que falará sobre o amadurecimento.

Nitidamente a protagonista é Enid, com toda sua irreverencia, personalidade e todos seus cortes e penteados de cabelos. É ela que mantem e guia o leitor entre as páginas, mas Rebecca tem o papel de trazer um tom mais sóbrio para a história, com questionamentos diferentes e pertinentes. Adorei acompanha-las por suas jornadas, como cada uma lidou com suas inseguranças e conflitos diante o turbilhão de incertezas. E apesar de ser uma história com suas partes divertidas e cômicas, há uma nuance melancólica, um tom que permitirá que o leitor se sinta tocado por estas garotas e pela beleza e crueldade que é a vida real.

Há um ponto negativo e este está fortemente ligado ao que citei aqui em cima. Nem sempre as histórias lhe entregam aquele final feliz que tanto queremos, e Ghost World se utiliza disso. Ao terminar a leitura eu queria mais, queria saber mais sobre Enid e Rebecca, qual os caminhos que elas tomaram e como levaram esta amizade. Mas entendo que pode ser que isso seja um desejo que eu tenha que criar apenas na minha imaginação.

A edição lançada pela Nemo é comemorativa aos 20 anos de lançamento de Ghost World, então, contará com uma introdução do próprio autor e vários extras sobre a trajetória dessa graphic novel e seus personagens ao longo dos anos. Além disso, teremos algumas curiosidades sobre a criação da obra, assim como fotos e esboços de alguns originais. Desenhada e colorida em tons de preto e verde água, está foi a primeira vez que li uma graphic novel assim. Na capa e contracapa, o colorido é explorado de uma forma mais lúdica o que me agradou ainda mais.

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Ghost World retrata com extrema maestria a confusão e o misto de emoções que foi ser adolescente nos anos 90 no Estados Unidos, a forma como o autor retratou a complexidade interior desses personagens na ficção foi tão acertada, que sua obra segue relevante nos dias de hoje. A época onde somos pressionados a tomar decisões para uma vida inteira, quando muitos, depois de anos, ainda não têm certeza do rumo que preferem tomar, está lindamente eternizada por estas duas personagens criadas por Daniel Clowes. Eu super recomento a leitura, viagem de volta ao período em que nos sentíamos perdidos, com aquela sensação de não pertencer a lugar nenhum, vai valer a pena. Nunca é tarde para cada um buscar o seu lugar no mundo.

  • Ghost World
  • Autor: Daniel Clowes
  • Tradução: Érico Assis
  • Ano: 2017
  • Editora: Nemo
  • Páginas: 144
  • Amazon

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