Tudo começou com a história de uma pequena princesa perdida no mundo real, uma história capaz de demonstrar um mundo sombrio em que soldados marcham para guerras sanguinárias, mães se casam com homens perversos, seres bizarros existem em nossas mentes e em nossos mundos e, em meio ao caos, um adorável Fauno pretende auxiliar a pequena princesa em sua jornada de volta para casa.
O Labirinto do Fauno, muito mais do que um grande amor, trata-se do filme responsável pela admiração que tenho para com a mente criativa de Guillermo del Toro. Como muitos antes de mim, encontrei nas criações de Guillermo del Toro toda a fantasia, obscuridade, amor e tristeza que meu coração deseja quando busca uma narrativa única, aquele tipo de história capaz de tocar a alma com suas mensagens e reflexões imersas em todo o encantamento que poucas mentes são capazes de criar.
Eu tive a oportunidade de observar os acertos desse querido diretor e criador de histórias, vi quando se arriscou nos mais diversos projetos, quando perdeu a mão e os detalhes característicos que tanto amo em projetos que talvez não fossem a melhor opção para seu olhar aguçado, mas em A Forma da Água, percebi que aquela alma e mente criativa ainda existem e são capazes de criar a mais bela história sobre o amor e o ser humano, com o típico toque sombrio e fantástico que tanto adoro nos trabalhos do diretor.

A Forma da Água nos apresenta uma princesa muda, uma mulher solitária, uma alma sábia capaz de perceber elementos e sentimentos escondidos por trás de olhares, gestos e seres. Elisa vive sozinha em um apartamento localizado no centro da cidade, a noite ela trabalha como faxineira em uma agência de experimentos e investigações científicas do governo. Sua vida gira em torno do trabalho como faxineira, ouvir com atenção os anseios, segredos e dores de Zelda, a faxineira que a acompanha, e Giles, o vizinho sonhador que mora ao lado.

O foco da narrativa é redirecionado quando, durante a limpeza de uma das salas de experimentos, Elisa e Zelda descobrem a identidade peculiar da nova cobaia encontrada. Esta, uma espécie de humanoide aquático, capaz de comunicar-se através com aqueles sensíveis o bastante para parar e observar com atenção.  A partir deste ponto o espectador irá encontrar elementos muito conhecidos em narrativas do gênero, sendo capaz de perceber o amor impossível, a luta por este e, como todo bom romance, a fuga do casal para que possam permanecer juntos, porém, apesar do enredo comum à diversas histórias de amor, o que encanta em A Forma da Água é o modo como tudo se constrói.
O filme cria sua atmosfera adoravelmente calma e delicada com base na utilização das cores verde e azul, o que não deixa de remeter ao título e ao próprio direcionamento proposto pela narrativa. Seja por meio de fortes ou ácidos verdes, ou por meio de calmos e tranquilos azuis, a obra permanece fiel a seu propósito e, mesmo que indiretamente, destaca para o espectador uma das principais mensagens do filme. Mas o destaque das cores também encanta pela sutileza. Seja por meio de uma Elisa apaixonada usando vermelho, ou do cinza que acompanha um dos vilões do filme, a obra não precisa de explosões ou grandes perseguições para destacar emoções, a simples utilização de cores realiza o feito com maestria e sensibilidade encantadora.
A cenografia é outro elemento fortemente explorado ao longo de todo o longa. Com cenários que lembram o filme Metropolis, ou mesmo o jogo Bioshock, o filme estabelece uma aura própria, quem sabe até mesmo de fascínio, uma vez que, para além de atuações, nuances e sentimentos, toda a questão visual é tratada com o respeito e cuidado que merecem, fazendo com que, mesmo o espectador menos perceptivo, perceba locações e ambientes como uma espécie de personagem que surge por todo o desenvolvimento do filme.
Tendo os elementos fantásticos desenvolvidos em harmonia com o romance, a trilha sonora realizando uma bela homenagem aos musicais dos anos 30, os embates posicionados nos momentos cruciais e, com o figurino sóbrio e certeiro, porém repleto de sutilezas, resta destacar aquela que, em minha humilde opinião, foi a melhor atuação do longa. Sally Hawkins, com gestos, olhares e expressões, compensa pela ausência de falas. Sua personagem pode não demonstrar força da forma como esperamos, amor, tristeza ou confusão da forma como estamos acostumados, mas não deixa de destacar profundidade, delicadeza e uma beleza digna do que poderíamos chamar de arte.

A Forma da Água destaca nossa dificuldade em lidar, aceitar e conviver com tudo aquilo que não compreendemos, com o que não somos capazes de aceitar. Sua beleza, porém, está no fato de que, através das mais diversas estratégias, e com olhar delicado e sutil, demonstra que o amor não possuí formas, não precisa de rótulos, surge de maneira misteriosa e nos leva consigo. Essa é a única magia existente no mundo e, embora não tenhamos apreendido sua língua completamente, ele continua se comunicando conosco, tudo o que nos resta é buscar uma forma de compreender.

  • The Shape of Water
  • Lançamento: 2018
  • Criado por: Sally Hawkins, Michael Shannon, Richard Jenkins
  • Com: Drama, Romance, Fantasia
  • Direção: Guillermo del Toro

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