Algumas resenhas possuem o costume de surgir prontas e acabadas, com todos os detalhes e comentários dispersos em nossa mente, disponíveis para materializarem-se no momento exato em que sentamos para escrevê-las.
É verdade que alguns livros facilitam o processo ao nos transportar por universos nunca antes vistos, por aventuras fantásticas ou, ainda, quando nos transmitem mensagens que precisam ser compartilhadas com o resto do mundo. Porém, algumas obras, com sua delicadeza, escrita honesta e maravilhosamente bela, suas trajetórias de vida, transformam o trabalho do resenhista em uma espécie de desafio agradável e torturante com as palavras.
A Primeira Luz da Manhã, autobiografia de Thrity Umrigar, uma autora indiana que tive o prazer de conhecer por meio dessa obra repleta de amor e sombras, nasceu no ano de 1961 em Bombaim, uma das maiores cidades da Índia. Quando completou 21 anos, a jovem Thrity conseguiu realizar um dos sonhos mais comuns entre diversos cidadãos indianos – e de tantos outros países -, ela conseguiu mudar-se para os Estados Unidos para estudar, ingressando assim no país que se transformaria em seu  novo lar.

Você foi um soldado inabalável. Uma linha reta, a estrela do norte, seu amor robusto tão constante quanto a lenta rotação da Terra ao redor do Sol, sua dedicação tão segura quanto o fluxo e o refluxo das marés.

Muito mais do que uma trajetória de vida, um relato dos desafios do crescimento e amadurecimento, ou ainda, da apresentação de lembranças acerca da infância na caótica e vibrante Bombaim, esta obra destaca o talento da autora, a escrita honesta, repleta de sutilezas, bondade, amor, sombras e desafios de uma vida que, mesmo que tenha sido facilitada pela posição social e econômica de sua família, não deixou de trazer obstáculos, decepções e tristezas, além dos momentos que nos transformam em quem somos.
Não precisamos chegar aos capítulos finais para perceber a densidade dessa história. Logo nos primeiros parágrafos somos inseridos a um contexto único, intercultural, repleto de mensagens, reflexões e detalhes de uma vida que, apesar de ter sido vivida na Índia dos anos 60 e 70, pode, ainda hoje, assemelhar-se a nossa.
Os dramas entre mãe e filha, o fascínio por filmes e música norte americana, o amor que surge nas mais diversas formas e momentos, o apoio que somente aqueles que realmente reconhecem nossa alma são capazes de oferecer, tudo surge com a mesma forma bela e tocante com que a morte de um membro da família, ou a certeza de que a vida no ninho não pode mais continuar é representada em palavras. Cada novo momento da vida da autora pode representar uma experiência de dor, alegria, aconchego ou tristeza para o leitor.
É desafiante falar sobre uma obra como A Primeira Luz da Manhã, uma autobiografia que, muito mais do que destacar as experiências, lembranças e momentos do crescimento e amadurecimento de uma autora cuja escrita transmite sentimento e significado, também transporta o leitor por cada evento de perda, alegria ou amor, como poucas obras de não ficção são capazes de fazer.

Ao mesmo tempo em que as lágrimas brotam nos mais diversos momentos do livro, viramos a última página com um sorriso no rosto, com o coração aquecido e a certeza de que, mesmo com o caos que pode se manisfestar em nossas vidas, sempre seremos capazes de encontrar nosso próprio caminho.

Ao finalizar essa obra, não poderia estar mais feliz por ter escolhido esse livro para me inserir no contexto da escrita encantadora de Thrity Umrigar. Fora as mensagens, reflexões e momentos em que lágrimas ameaçaram molhar o papel, percebo nessa autobiografia uma introdução belíssima para aqueles que querem conhecer a obra da autora, ou que buscam autores provenientes de outros países que, com seus olhares únicos, nos transportam para mundos que podem ser tão ou mais parecidos com os nossos!

  • First Darling of the Morning
  • Autor: Thrity Umrigar
  • Tradução: Rosaura Eichenberg
  • Ano: 2017
  • Editora: Globo Livros
  • Páginas: 286
  • Amazon

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