Em 1959, cinco anos após publicar seu famoso livro As Portas da Percepção, onde aborda em detalhes os efeitos do uso da mescalina, Aldous Huxley é convidado pela Universidade de Santa Barbara para realizar uma série de palestras voltadas as mais diversas peculiaridades, desafios e equívocos da humanidade. As dezesseis conferências estão presentes nesta edição e embora determinadas ideias, conceitos e pesquisas estejam fortemente datadas, muitas reflexões estendem-se para a atualidade, demonstrando a visão e criticidade deste autor que a sua própria maneira, atingiu o patamar de clássico da literatura do século XX.
Por tratar-se de uma obra onde são reproduzidas palavras proferidas ao longo de diversas palestras, A Situação Humana, muito mais do que apresentar assuntos acadêmicos e reflexões de um autor de ficção que, como tantos, foi capaz de perceber o contexto de sua época – além das possíveis consequências de nossas ações enquanto sociedade – ressalta o fato de que a ciência e a academia não precisam ser ambientes desconectados da realidade, do mundo que lhes permite a existência. Com discurso acessível, crítico, reflexivo e absurdamente interessante, Huxley explora os mais diversos aspectos da vida humana, passando de desafios e elementos localizados em uma escala macro, até encontrar-se nas peculiaridades do próprio indivíduo.
[…] não apenas não temos direito de tratar animais como coisas, mas posso dizer mais, não temos direito nem de tratar coisas como coisas. Se tratarmos objetos inanimados como coisas que podemos explorar à vontade, as consequências serão desastrosas.

Demonstrando a maneira inconsequente com que a humanidade se relaciona com o ambiente, a exploração e degradação que se tornaram característica intrínseca de nossa espécie, Aldous Huxley abre espaço para uma discussão que até o momento, embora não por falta de esforço e perspectivas, não foi capaz de gerar qualquer mudança profunda na forma como nos comportamos. Ao relacionar o universo histórico, a narrativa que seguimos construindo enquanto humanidade, e o universo do indivíduo, nossas dores, mágoas, alegrias e cotidiano, o autor destaca a existência de diversas realidades. A forma como eu compreendo e observo o mundo, como reajo a determinadas notícias, livros ou filmes, toda e cada partícula que compõem minha personalidade, torna a minha realidade única, pois nada do que acontece comigo, e nada na forma como reajo ao universo histórico pode se repetir para outra pessoa.
Apesar de surpreender e encantar em diversas conferências com seus pensamentos e reflexões, sua forma única de ver o mundo e sua maneira de buscar encontrar os melhores caminhos para os desafios que nos aguardam, o autor não está livre de críticas, e, dentre pequenos elementos que não pude deixar de discordar, existe algo que verdadeiramente me incomoda em suas palestras e este aspecto é a defesa da eugenia.
Não ousarei defender que seu cérebro, pouco a pouco degradado pelo uso de drogas, não foi capaz de compreender os perigos destes pensamentos pois o autor os defende perante uma plateia de educandos pertencentes ao ensino superior. Neste aspecto, Huxley decepciona, porém, demonstra que mesmo as ideias mais perigosas, quando vestidas com a roupagem correta, podem aparentar ser um ótimo caminho a se seguir.
A Situação Humana ressalta o autor por trás da ficção, os pensamentos, as reflexões, a visão de mundo de um escritor que, embora muitos tentem fazer acreditar, percebia o contexto, as mudanças e direcionamentos da sociedade e, a partir destes elementos, criava mundos e universos únicos, porém, tão próximos do nosso. Faz parte da leitura discordar, debater os pensamentos do autor e compreender que, assim como todos nós, também possuía falhas. Esta obra demonstra um novo lado do autor e comprova que, embora possuísse pensamentos controversos, apresentava uma capacidade enorme de reflexão que merece ser compartilhada com novos leitores.

  • The Human Situation
  • Autor: Aldous Huxley
  • Tradução: Lya Luft
  • Ano: 2016
  • Editora: Biblioteca Azul
  • Páginas: 294
  • Amazon

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