Depois do meu primeiro contato com os escritos de Haruki Murakami através do livro Ouça a canção do vento | Pinball, 1973 e Romancista como Vocação, retomo novamente a minha leitura do autor com a coletânea de dezessete contos intitulada O Elefante Desaparece – homônimo do último conto desse livro.
Todos os contos tratam de alguma forma sobre relacionamentos, mas ao invés de retratar das grandes histórias de amor, Haruki Murakami se detém nas miudezas que envolvem o “ordinário” (comum) das relações, sempre dando um toque de extraordinário. Para não deixar a resenha muito grande, vou destacar os meus favoritos.
Em Mensagem do Canguru, um homem que trabalha na seção de controle de qualidade de produtos de uma loja de departamentos, se sente atraído por uma cliente que relatou uma situação em que não conseguiu trocar um CD errado. Enquanto olhava os cangurus no zoológico, ele começa respondendo a carta fugindo totalmente do protocolo da empresa. Parece que o conto não tem nada de mais, no entanto, ao se lançar um olhar mais subjetivo ao conto, Haruki Murakami fala sobre as imperfeições como forma de ser feliz.

Talvez você queira saber o que significa atingir um estado de máxima imperfeição — acho que realmente seria uma pergunta possível. O estado de máxima imperfeição, para resumir, é quando uma pessoa perdoa a outra. Por exemplo: eu perdoo os cangurus, os cangurus perdoam você e você me perdoa.

Um outro conto que conquistou meu coração foi o Sobre a Garota Cem por Cento Perfeita que Encontrei em Uma Manhã Ensolarada de Abril. Nessa história um rapaz fala sobre ter cruzado pela rua com a mulher perfeita. A partir disso, ele começa a elaborar o que poderia ter acontecido se não tivesse deixado esse momento passar. O autor, diferentemente do conto anterior, trabalha algumas ideias associadas a “perfeição”, nesse caso desconstruindo para algo que não sabemos definir, ou até mesmo sequer imaginar, já que a perfeição estaria ligada a uma sensação ou um sentimento e não a algo concreto.

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O meu terceiro conto favorito – para não estender muito a resenha – é O Pequeno Monstro Verde. Uma mulher se vê surpreendida quando um pequeno monstro verde surge em seu jardim a pedindo em casamento. Esse conto desperta vários sentimentos contraditórios, já que o monstro é descrito de uma forma que parece ser estranhamente fofo e as tentativas da mulher de se livrar do monstrinho é extremamente angustiante.

Todos tentaram me impedir, mas eu não conseguia mais viver assim. Pense na coragem que precisei ter-ter-ter. Achavam que era muita pretensão um monstro como eu vir até aqui para me declarar.

Alguns contos têm similaridades que fazem parecer, em um primeiro momento, que se trata dos mesmos personagens. Eu tive essa impressão mais forte nos dois primeiros contos em que os personagens eram casados e ambos os homens da história eram advogados. Sem contar que a grande maioria dos narradores são homens na faixa dos 30 anos. Mas todos são contos independentes! E apesar desse sentimento de similaridade, os contos despertam sensações diferentes através do olhar peculiar e poético de Haruki Murakami para o cotidiano.
Mais uma vez, eu me encantei com a capacidade do autor em embelezar o que poderia ser considerado banal. Apesar de não ter me sentido profundamente tocada por todos os contos, a grande maioria conseguiu mexer comigo. Me diverti com os absurdos, suspirei com as epifanias sobre o amor e senti empatia pelas situações tristes… Enfim, eu acho que todo mundo deveria, ao menos uma vez na vida, se permitir viajar no cotidiano alternativo de Haruki Murakami.

  • Zo No Shometsu
  • Autor: Haruki Murakami
  • Tradução: Lica Hashimoto
  • Ano: 2018
  • Editora: Alfaguara
  • Páginas: 314
  • Amazon

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