A Casa do Necromante, título original do livro Bem-vindo à Casa dos Espíritos publicado pela Darkside Books, inicia sua narrativa de maneira que explorem-se elementos dispostos dentro de um evento que poderia muito bem tratar-se de mera eventualidade. Contudo, assim como diversos exemplos de obras inspiradas em mistérios a serem resolvidos e conexões a serem estabelecidas, o primeiro capítulo deste livro, a porta que leva o leitor para acontecimentos sombrios, confusos e por vezes bizarros, baseia-se na tentativa de instigar uma leitura que pode vir a tornar-se especial, ou consolidar-se em grande fracasso.
Uma rusalka, nome atribuído às ninfas da água, ou sereias pertencentes a mitologia eslava, transformou em lar um grande lago localizado no estado de Nova Iorque. Ao longo de uma noite qualquer, como transcorreu-se muitas noites antes desta, a sombria sereia escolhe por vítima um velho solitário que vivia próximo às margens daquele território que ela ousa chamar de lar. O velho morre e logo somos direcionados a figura de Andrew, uma espécie de mago, bruxo ou feiticeiro – ele prefere ser chamado de mago, mas as outras palavras também são ótimas para denomina-lo – cujas habilidades possibilitam a interação e manipulação dos mortos, além do pleno controle de metais e elementos mecânicos.
Falho como qualquer ser humano, Andrew foi responsável por uma quantidade considerável de escolhas erradas que resultaram em acontecimentos dramáticos e catastróficos, da mesma forma, nosso personagem principal encontra-se em longa recuperação de sua dependência alcoólica. É no grupo de Alcoólicos Anônimos que ele conhece sua mais nova paixão e pupila, a então aprendiz de feiticeira, lésbica e escultora de mão cheia, Anneke. Há uma brusca quebra de narrativa observada até o momento, porém, logo dá indícios de que o assassinato do velho solitário pelas mãos da rusalka – amante de nosso personagem principal – interliga-se aos caminhos do passado e presente de Andrew, resultando na tentativa de vingança de uma muito irritada Baba Yaga.
premissa de Bem-vindo à Casa dos Espíritos, ao entrelaçar personagens e elementos característicos da mitologia eslava a um contexto de bruxaria contemporâneo onde magos possuem  problemas reais, realizam ações duvidosas, encontram-se perdidos e confusos, enfrentam problemas com álcool e, ainda, são obrigados a lidar com as consequências de suas próprias ações,  poderia ser encantadoramente curiosa e instigante, não fosse por sua execução.
A narrativa que, por desconhecimento de classificação melhor irei categorizar como não convencional, é fortemente fragmentada. O livro fundamenta-se na apresentação de eventos, personagens e contextos que se interligam para a criação de um cenário maior e, embora o mistério que permeia as possíveis conexões descortine-se de forma razoável, permitindo sua compreensão com certa antecedência e preparando o leitor para a chegada do grande conflito e desfecho, as diversas quebras também se responsabilizam por propiciar a sensação de distanciamento entre leitor e livro. Não se trata de apresentar uma leitura difícil de acompanhar ou compreender, estas características podem variar de acordo com a experiência de cada um, mas sim de fragmentar e deslocar de tal forma os acontecimentos de uma história que, em consequência, sacrifique-se as possíveis ligações que o leitor poderia desenvolver na medida em que prosseguia com a leitura.
Dentro desta estrutura narrativa diferenciada, também se encontram falhas na construção de personagens, eventos pertencentes ao passado, contextos do presente e, como se não bastasse, motivações de personagens específicos. Optando por explorar somente o mínimo necessário do passado de personagens cruciais para o desenvolvimento da história, o autor perde a chance detorná-los humanos, de possibilitar que o leitor se envolva com suas perdas, motivações e mudanças. Evitando aprofundar-se na mitologia que dá vida à obra, bem como as ações e personalidades de seus personagens principais a narrativa perde outro aspecto essencial para a construção de uma conexão forte entre leitor e obra.
Por não se aprofundar, não explorar as possibilidades maravilhosas existentes desde a criação de uma bela rusalka, direcionando-se aos motivos por trás do roubo de feitiços antigos ou mesmo os ricos e belos detalhes da mitologia eslava, um livro com potencial enorme transforma-se em outra história sobrenatural. Por não delinear os conflitos, particularidades e dores de Andrew, ou mesmo sua fuga das garras da bruxa mais poderosa do mundo, no momento em que o conflito ocorre e o desfecho se aproxima, a experiência de leitura pode ter sofrido duros golpes que nem mesmo uma luta épica e poderes fascinantes são capaz de salvar. 
A Casa do Necromante parte de uma ideia interessante, de mitologias instigantes que representam uma cultura que poucos conhecessem profundamente, ressaltando, ainda, uma infinidade de contextos inexplorados que poderiam transformar a experiência de leitura em algo ainda mais sombrio, imersivo e bizarro. Contudo, a execução, a forma como buscou-se construir e interligar tantos elementos ao longo da narrativa, culminou no sacrifício de detalhes cruciais, principais responsáveis pelo estabelecimento de uma forte conexão entre leitor e livro. Bem-vindo à Casa dos Espíritos é curioso, diferente e pode apresentar-se como uma experiência única para determinados leitores, porém, por ignorar elementos tão caros à narrativa, decepcionou profundamente a leitora que redige esta resenha.

  • The Necromancer’s House
  • Autor: Christopher Buehlman
  • Tradução: Carolina Caires Coelho
  • Ano: 2018
  • Editora: Darkside Books
  • Páginas: 384
  • Amazon

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