No contexto fictício de um futuro distante a humanidade descobriu-se descendente de uma raça alienígena que muitos anos no passado precisou pousar e, devido à imprevistos e possíveis falhas mecânicas, deixar para trás algumas de suas naves neste fabuloso e constantemente ignorado planeta.
Os espécimes abandonados pouco a pouco se modificaram, transformando-se neste animal bípede, razoavelmente racional e nem sempre fofinho conhecido por ser humano. Nossos problemas – que já não eram poucos – elevam seu nível de grandeza quando, ao estabelecer contato com uma quantidade considerável de raças alienígenas, a humanidade alia-se ao lado errado em uma guerra que só lhe causa dores de cabeça e prejuízos.

É neste contexto que encontramos Eric Sweetscent, um médico capaz de retirar, em questão de minutos, órgãos humanos que não funcionam mais e em seu lugar implantar órgãos artificiais capazes de ampliar drasticamente a expectativa de vida de seus pacientes. Eric trabalha como médico particular de um dos mais importantes nomes da indústria terráquea, contudo, ele frequentemente se questiona se seu planeta escolheu o lado correto na guerra intergaláctica que enfrentam desde que sua aliança foi firmada; encontra-se em um casamento conturbado em que a bela esposa também se classifica como inegável viciada em drogas e, quando sua vida parecia não esconder nada mais de novo sob o sol, lhe será oferecida uma proposta irrecusável.

Os seres humanos sempre se esforçaram para reter o passado, para conservá-lo de forma convincente; não há nada de errado nisso. Sem isso, não temos nenhum senso de continuidade, temos apenas o momento.
Eric Sweetscent é convocado para participar da equipe médica de Gino Molinari, o porta voz da Terra nas questões interplanetárias, uma espécie de governante capaz de falar por toda a humanidade quando os assuntos se interligam a elementos extraterrestres. Porém, quando o confuso e ambicioso doutor aceita distanciar-se de tudo o que até o momento configurava sua rotina, sua esposa experimenta uma nova droga e, graças ao vício instantâneo provocado pelo composto químico, caí como uma luva na mais nova conspiração elaborada pelos aliados da humanidade na guerra em que ela nunca deveria ter tomado parte. O que ninguém esperava é que, ao entrar em contato com a droga, nosso personagem principal terá a chance de avançar para o futuro por um curto espaço de tempo, recebendo a chance de mudar os rumos do que algum dia virá a acontecer com a Terra.
Philip K. Dick é um nome importante quando pensamos na produção literária de ficção científica publicada ao longo do século XX. O autor de Androides Sonham com Ovelhas Elétricas e O Homem do Castelo Alto conquistou diversos leitores com suas narrativas capazes de questionar a realidade e explorar os limites do conceito de realidade percebida ou modificada. Da mesma forma, ele possui um fascínio pelo consumo de drogas, compostos químicos, alucinógenos e uma vasta gama de elementos que, não podemos ser ingênuos, recebem uma roupagem interessante, curiosa e diversificada em suas histórias, vendendo-se, portanto, como viagens incríveis e únicas. Estas duas características, à sua própria maneira, inserem-se na trama de Espere Agora pelo Ano Passado, mas o diferencial neste enredo, capaz de garantir uma trama ainda mais curiosa e interessante, é a união as viagens ao passado e futuro e a presença de uma guerra com seres alienígenas.
Da mesma maneira com que utiliza elementos semelhantes para a construção de suas narrativas, o autor possuí a capacidade de, na humilde opinião da pessoa que vos escreve, acertar na mesma medida em que comete erros que os leitores da atualidade não devem ignorar, mesmo tratando-se da produção literária de um autor importante para a ficção científica. Ao contrário do que mencionei ao longo da resenha de O Tempo Desconjuntado, este livro apresenta uma quantidade maravilhosa de comentários irônicos, críticos e, por vezes, zombeteiros acerca da situação humana, dos erros que cometemos, das coisas em que acreditamos e de nossas inúmeras falhas de caráter.
Mas, por estarmos falando de Philip K. Dick, encontramos também uma porção considerável de objetificação da figura feminina. Quando tratamos das personagens femininas delineadas ao longo da narrativa, ou estas expõem-se como figuras para agradar os olhares masculinos, ou apresentam-se como personalidades mandonas, vingativas e incapazes de lidar com qualquer problema por si mesmas. Assim o autor encontra a desculpa perfeita para tornar o homem aquele personagem capaz de salvar a mulher indefesa e, como se não bastasse, sair ileso apesar de tudo e todos.

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No fim, Espere Agora pelo Ano Passado é uma leitura interessante, fascinante se me permitem, mas também possuí falhas, erros provenientes de uma forma de pensamento que ainda lutamos para modificar. Onde o autor acerta ele também erra, mas nada disso é capaz de retirar o brilho de suas histórias, pois se existe algo que Philip K. Dick sabia criar eram histórias curiosas, interessantes, com um ritmo bacana capaz de levar o leitor por páginas e páginas, e, quando chega ao fim, ainda refletir sobre tudo o que acabou de ler. Não digo tratar-se da obra mais simples e acessível do autor, mas também não disse ser difícil e complexa, ela é diferente, curiosa, instigante e, acima de tudo, merece ser lida por todo amante de ficção científica.

  • Now Wait for Last Year
  • Autor: Philip K. Dick
  • Tradução: Braulio Tavares
  • Ano: 2018
  • Editora: Suma
  • Páginas: 293
  • Amazon

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