Inspirado na história em quadrinhos Sabrina the Teenage Witch, publicada pela Archie Comics, O Mundo Sombrio de Sabrina interliga ocultismo, satanismo e bruxaria à dramas adolescentes e temáticas atuais fortemente debatidas nos mais diversos meios de comunicação. Ainda que apresente pequenos deslizes ao longo da construção de sua narrativa, muitos deles justificados ou revertidos quando observamos o avanço dos episódios, coisa que muitas séries adolescentes não é capaz de realizar, a nova aposta da Netflix, elaborada pelos mesmos produtores de Riverdale, acerta muito mais do que erra e, por seu clima sombrio claramente inspirado em clássicos do terror, ela não poderia deixar de aparecer no Estante Diagonal.
A premissa é muito simples: uma jovem garota, cujo sangue integra características mortais e bruxas, ao completar dezesseis anos deve decidir por abdicar ou não de sua vida entre os humanos normais. Caso ela decida abandonar seus amigos e colegas de escola, seu namorado e sua militância feminista em meio aos desafios enfrentados por mulheres mortais – pois sim, o seriado possui um discurso muito interessante em favor da igualdade e equidade – ela deverá assinar seu nome no “Livro da Besta” e jurar lealdade a ninguém mais, ninguém menos do que o capiroto em pessoa.
Sabrina, filha de dois mundos e pessoa belamente racional cujos princípios não poderiam ter agradado mais a espectadora que vos fala, nega-se a abandonar sua antiga vida e unir-se à Igreja da Noite. Contudo, por uma série de razões obscuras que serão descortinadas ao longo da primeira temporada, lhe é concedida a oportunidade de manter-se ligada aos dois universos, garantindo assim que a jovem bruxa frequente a escola mortal e bruxa ao mesmo tempo. Deste ponto em diante percebemos alguns detalhes interessantes na história do seriado. O primeiro deles é o estranho interesse do capiroto na menina Sabrina. O segundo é a vontade desta de libertar-se das regras estabelecidas por uma sociedade antiga e patriarcal, além de tornar-se capaz de derrotar o próprio demônio. O terceiro é todo o mistério que circula o nascimento da garota, uma vez que sua mãe era mortal e seu pai um importante “padre” da Igreja da Noite.

Assim, a premissa inicial simples amplia-se pouco a pouco, inserindo mistérios, crescimento e amadurecimento de personagens, dramas familiares e adolescentes, crítica social e toda uma gama de ocultismo que transformam O Mundo Sombrio de Sabrina em um seriado muito mais completo do que poderia parecer à princípio. Seu encantamento reside na maneira com que diversos elementos se inserem à trama de forma equilibrada, habilmente integrada, permitindo que cenas de ocultismo abriguem em si lutas internas ou intenções de personagens, que o ambiente escolar também seja capaz de abordar problemas reais enfrentados por adolescentes reais, que uma família de bruxas trabalhe sentimentos tipicamente humanos e, que uma bruxa lute por mudanças em uma sociedade que não pode mais seguir pelos caminhos que sempre seguiu.
Neste sentido, cada cena, situação e personagem é capaz de abordar muito mais do que suas próprias características e propósitos, enriquecendo o seriado com mensagens que muitas vezes não recebem a atenção ou não são tão bem exploradas em outros exemplos de séries voltadas a um público mais jovem.
Outro elemento maravilhoso é a humanidade de praticamente todos os personagens. Ninguém aqui é perfeito, ninguém se encontra livre de cometer erros e isso inclui a própria personagem principal. Todo e cada personagem realiza equívocos e erra, mas a beleza está no fato de que eles percebem seus erros e buscam meios de reparar os danos que cometeram. No caso de Sabrina, embora seu percurso tortuoso possa tornar-se irritante em determinados momentos, os erros possuem uma razão de ser, capacitam o crescimento da personagem e demonstram sua humanidade, possibilitando que a mesma encontre novas formas de reparar seus erros ou mesmo conviver com as consequências de seus atos.
Graças ao trabalho realizado para apresentar personagens humanos, do tipo que o espectador aprende a amar mesmo com todos os seus defeitos e gradativamente, é possível a criação de conexões entre espectador e personagem. Enquanto muitos livros publicados e escritos recentemente – dentre eles um exemplo comentado aqui no Estante Diagonal – parecem ter perdido a habilidade de estabelecer o apreço entre o receptor da história e os personagens fictícios retratados, este seriado demonstra o valor da construção de personagens para que o espectador se importe e compreenda suas lutas e passe a amá-los por quem são.
Por fim, resta ressaltar o cuidado com todo o aspecto visual de O Mundo Sombrio de Sabrina. Da mesma forma como em Riverdale, porém aqui com uma pegada muito mais sombria e, se me permitem dizer, muito mais curiosa e bela, a série lança mão de figurinos adoráveis, cenários interessantíssimos, locações encantadoras e edições de imagem que agregam valor ao produto final. Trata-se de um exemplo onde o que observamos em cena é tão maravilhoso quanto a história construída, e o mesmo pode ser comprovado pelas imagens relacionadas ao seriado, espalhadas por toda a internet.
O Mundo Sombrio de Sabrina, em sua primeira temporada, demonstra que séries de adolescentes podem e devem ser belamente produzidas, bem construídas, apresentar um visual interessante e ainda ressaltar desafios reais. Pode-se dizer que ela e sua prima Riverdale chegaram com o intuito de elevar o nível do que até então vinha sendo produzido, contudo, resta esperar que esta qualidade seja mantida ao longo de suas próximas temporadas.

  • The Chilling Adventures of Sabrina
  • Criado por: Roberto Aguirre-Sacasa
  • Com: Kiernan Shipka, Ross Lynch, Lucy Davis
  • Gênero: Fantasia, Terror, Drama
  • Duração: 10 episódios – 55 minutos

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