Os espécimes restantes do que hoje compreendemos por humanidade perderam-se em meio aos confins misteriosos do universo. É possível, talvez altamente provável, que grande parte da comunidade humana pereceu ao longo de sua jornada em busca de um novo lar. Contudo, uma nave sobrevive às incertezas do espaço e com muito esforço e sacrifícios chega à um planeta desolado, árido, cercado por inimigos desconhecidos, em cuja órbita circulam os mais diversos detritos, peças, partes e pedaços de naves espaciais.

Contra todas as expectativas esta parcela da humanidade resiste e muito mais do que esconder-se de seus inimigos alienígenas abaixo da superfície deste planeta desolado, os indivíduos desgarrados encontram algumas fábricas abandonadas que garantem a construção de cidades, exploração do subsolo do planeta, reconstrução de naves e criação de uma frota capaz de combater os caças alienígenas que estão sempre invadindo e ameaçando estes corajosos desafiadores. É neste contexto que observamos uma pequena parte de uma das mais importantes batalhas enfrentadas pela FDD (Força Defensiva Desafiadora, que não passa de uma força armada espacial) onde, após a perda de grandes soldados, manobras dignas de filmes no estilo Star Wars e aquele antigo “foi por pouco”, salvam-se a vida de todo o contingente humano que vive nas cavernas no planeta o que, consequentemente, elevou consideravelmente o status da FDD.

Eu nunca teria valor, a menos que eu pudesse me provar – mas eu não poderia me provar porque ninguém me daria uma chance.

Entretanto, nesta mesma batalha um único piloto perde o controle, se desespera e passa a agir em favor do inimigo, atingindo diversos companheiros e sendo abatido em consequência de sua traição. Este piloto era pai de Spensa, nossa personagem principal que, muito mais do que sofrer com a perda do pai, seu maior herói, sofre perseguição e descaso por tudo o que seu pai representa, um verdadeiro covarde aos olhos de toda a comunidade. De humor explosivo e inconsequente, um tanto quanto agressiva, cercada por uma porção irritante de falatório sobre grandes heróis do passado e soldados que riam em frente ao perigo, Spensa irá enfrentar suas próprias batalhas. Seu sonho é fazer parte da FDD e tornar-se uma piloto, mas para que isso aconteça ela deve provar sua capacidade e valor, além de demonstrar que não é como o pai, vindo a ingressar, assim, na academia e ultrapassar cada etapa do processo até atingir seus objetivos. Para fechar o pacote, juntamente à sua jornada do herói, iremos descobrir alguns detalhes referentes a verdade sobre seu pai, sobre estes inimigos alienígenas e este mundo ficcional criado pelo autor.


Dificilmente sinto a necessidade de criar pequenos comentários acerca da história que acompanho, mas as breves inconstâncias, pequenos deslizes ou mesmo problemas que encontrei ao longo da leitura – estes, relacionados à criação do universo de Skyward, bem como de sua personagem principal – clamaram pela produção de notas que me auxiliassem a destacar pontos específicos da narrativa. É verdade que alguns aspectos não serão abordados neste texto, uma vez que se tratam muito mais de implicância minha do que característica negativa a ser destacada em resenha, mas não poderia deixar de ressaltar os elementos principais justamente por estarmos falando do livro de um autor tão comentado, aclamado e queridinho de muitos leitores quanto o é Brandon Sanderson.

Antes de me lançar aos elementos que, acredito, precisavam de maior atenção e cuidado por parte do autor ou expressar minha verdadeira irritação com estratégias de criação de personagens, pretendo destacar o que este livro faz e faz muitíssimo bem. Por tratar-se de uma história com personagens adolescentes que, ao longo de suas jornadas são capazes de descobrir quem são, as verdades sobre o mundo em que vivem além de salvar comunidades inteiras, encontraremos aqui um discurso que fala diretamente ao público adolescente por meio dos elementos da história, mensagens que apresenta, bem como de cada personagem que se mantém vivo até o final. O questionamento constante sobre o que é ser covarde e o que é ser corajoso também é muito válido já que demonstra visões diferentes e as confronta a todo momento, permitindo ao leitor refletir sobre os acontecimentos e construir sua própria opinião sobre o assunto.

Mas a característica que faz nossos olhos brilharem de alegria está nas cenas de batalha e na maneira acessível e fluída com que o autor insere informações sobre naves espaciais, estratégias de guerra e navegação no espaço. Construído de forma equilibrada, o livro sempre terá novas batalhas contra o inimigo quando os acontecimentos da narrativa estiverem calmos por muito tempo. Para um leitor experiente, é fácil perceber a estratégia, mas esta não deixa de ser bem-vinda pois garante o dinamismo da história e evita a possibilidade de a leitura tornar-se monótona. Da mesma forma, as mais diversas informações contidas nesta obra, graças a sua leve simplificação e distanciamento de um discurso tecnicista possibilitam ao leitor maior compreensão do assunto, não deixando o processo de leitura “chato”, como diriam alguns.

E então chegamos aos três principais problemas deste livro: a falta de exploração ou explicação de elementos da narrativa; a construção da personagem principal e alguns elementos do próprio universo criado.

Com relação aos aspectos delineados pelo autor ao longo da narrativa e mais tarde ignorados, vou me aproveitar de dois exemplos. O primeiro é a facilidade tremenda com que a comunidade aceitou sem questionar, hesitar ou solicitar maiores informações o título de covarde dado ao pai de Spensa. Da mesma forma, é interessante observar como o autor não se importa em explorar a ascensão da FDD ao poder. O leitor deve se contentar com o fato de que toda uma população aceitou que um homem era covarde e, em seguida, perpetuou por anos e anos a crença de que ser “covarde” é algo ruim, mesmo que o próprio conceito esteja um tanto quanto indefinido. O mesmo ocorre com o status das forças armadas. Em momento algum encontramos maiores informações sobre a extensão de seus poderes, sobre a lavagem cerebral que efetuou na população, sobre como seu líder foi capaz de cometer erros tremendos e nunca ser questionado pela população ou pela classe mais rica desta sociedade. Aqui se elabora uma comunidade cega para que não seja necessário lidar com as inconstâncias da narrativa e, os poucos questionadores, além de alguns gatos pingados importantes para o enredo, são os personagens principais, os adolescentes que estão prestes a salvar o mundo.

E já que estamos falando em personagens principais: Brandon Sanderson escolhe a maneira mais triste de apresentar Spensa ao leitor. Isto, não pelo fato de que seu pai morre em combate e é declarado covarde, mas por delinear uma personagem irritante, terrivelmente inconsequente, repleta de bravatas sobre lutas sangrentas e como iria “empilhar os crânios dos inimigos e rir de seus descendentes” e que, apesar de crescer, amadurecer e modificar suas atitudes ao longo da história – poooonto para o aclamado Brandon – tem um início onde só falta considerar-se verdadeiramente melhor que todos os outros. Por conta desta estratégia passei boas 100 ou 150 páginas desconsiderando totalmente a personagem, realmente pouco me importando com suas dores, uma vez que ela empregava esse aspecto de superioridade. É verdade que existem mensagens na forma como Spensa é e age, assim como em todos os desafios que enfrenta e comentários que expressa, mas um pouco mais de humanidade seria bom para a personagem feminina, da mesma forma como um pouco mais de humildade, pois não vou ignorar o fato de que enquanto ela proferia discursos morais e inspiradores, também era a primeira a agir por impulso.

Por último, mas definitivamente não menos importante, temos aqui um universo ficcional tão curioso, intrigante e rico que é pouquíssimo explorado, quem dirá aprofundado. As maiores informações sobre o contexto, o passado desta comunidade, as motivações e identidade do inimigo só serão entregues no final da obra de maneira breve e direta. Toda a hierarquia de poderes, funcionamento da sociedade, detalhes específicos dos clãs, origem de “ligações com as estrelas” entre tantos outros aspectos não são explorados e não passam de plano de fundo para outra história de uma ou um adolescente capaz de mudar o destino de toda a humanidade.

No fim, Skyward emprega uma fórmula conhecida, com elementos que observamos em outros livros ou mídias onde a personagem principal, muitas vezes sozinha encontra meios para salvar o mundo. A obra possuí pontos fortes como o ritmo equilibrado da narrativa e as cenas bem executadas de batalhas aéreas, mas considerando a fama de Brandon Sanderson, os comentários positivos acerca de seus livros e toda a aclamação que recebe, não posso evitar em considerar este um livro mediano, talvez uma pequena decepção para aqueles que, como eu, sempre ouviram elogios para com o autor. No mais, resta dizer que esta obra não pode ser considerada uma distopia devido aos direcionamentos e falta de aprofundamento, mas também que, assim como sempre acontece com Stephen King, pretendo dar outras chances para que Brandon Sanderson prove seu valor.

  • Skyward
  • Autor: Brandon Sanderson
  • Tradução: Márcia Blasques
  • Ano: 2018
  • Editora: Planeta de Livros
  • Páginas: 400
  • Amazon

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