Se a Rua Beale Falasse, quinto romance do aclamado escritor James Baldwin, aborda questões de violência social, de uma forma tão sensível e profunda, que nos enovela em sua trama. Ambientado numa Nova York da década de 70, Baldwin expõe em seu livro, a dura realidade dos negros em um país extremamente preconceituoso e os percalços por eles sofridos, na busca cotidiana de continuar vivo.

Tish e Fonny são um jovem casal americano em busca de seus sonhos e da construção de uma relação. Fonny tem 22 anos e um talento impressionante para esculpir. Tish tem 19 e trabalha em uma loja de departamento, na seção de perfumes. Os jovens estão em busca de um lugar para morarem juntos e não veem a hora de se casarem, contudo, seus planos são interrompidos quando Fonny é preso.

Acusado injustamente de cometer um estupro a uma jovem porto-riquenha, Fonny aguarda ansiosamente pelo seu julgamento, que devido aos empecilhos provocados pela própria promotoria, parece estar bem longe de acontecer. Do outro lado, em meio a todo caos, além de se manter confiante e auxiliando a família a juntar dinheiro, Tish ainda precisa lidar com uma gravidez não planejada e o medo de seu filho não conhecer o pai.

Espero que ninguém seja obrigado a ver a pessoa que ama através de um vidro.

A escrita do autor nos envolve de tal maneira, que não há como não nos apropriarmos dos sentimentos e dos anseios vividos pelos personagens. Durante a leitura, somos tomados por uma sensação de impotência, principalmente, pelo fato de sabermos que o Fonny não cometeu o crime, mas está pagando por ele pelo simples fato de ser negro e de ter “desafiado” um homem branco.  

O livro me lembrou uma leitura que fiz recentemente, O Casamento Americano, de Tayari Jones, que também aborda a questão da injustiça racial e não havia como não comparar os dois. O Casamento Americano também tem como estrutura, um jovem casal de americanos negros, que têm sua vida a dois interrompida após o marido ser preso, suspeito de cometer um estupro.

Contudo, durante a leitura de O Casamento Americano, eu não consegui me conectar com os personagens e me envolver com a história, como aconteceu em Se a Rua Beale Falasse. A falta de maior exposição do que é e foi a segregação racial nos Estados Unidos, que senti falta na minha primeira leitura, foi perfeitamente contemplada na leitura atual.

Se a Rua Beale Falasse delineou de modo espetacular, o grande problema social. O autor não só nos apresentou a discriminação presente em diferentes relações interpessoais, como também destacou a ocorrência da mesma nas relações familiares. Isso foi um dos pontos durante a leitura que mais me chamou a atenção, uma vez que é recorrente associarmos essa situação com pessoas desconhecidas e esquecemos que dentro de uma casa, entre pessoas de próprio sangue, o preconceito e a discriminação também estão inseridos.

Fui andando por aqueles corredores enormes e largos que passei a odiar, corredores mais largos que o deserto do Saara. O Saara nunca está de todo vazio. Esses corredores nunca estão vazios. Se vocês estiver atravessando o Saara e cair, logo, logo os abutres vão começar a circundar você, sentindo seu cheiro, sentindo sua morte.

A obra possui uma importância para além do seu tempo. Mesmo apresentando problemas sociais dos Estados Unidos da década de 1970, o racismo é um problema atual e de grande relevância social, não só para os americanos, mas para o mundo. Vivemos tempos de muito extremismo, ignorância e disseminação de ódio. É importante que mais do que nunca, autores como Baldwin, tenham suas obras lidas e divulgadas, para que pensemos mais essa realidade.

Para quem não conhece James Baldwin, ele foi um famoso escritor e ativista americano negro, nascido em Nova York e um dos nomes mais importantes da literatura americana do século XX. O autor é muito famoso pela sua luta pelos direitos civis, sobressaindo em suas obras temas como a luta racial, questões de sexualidade e identidade.

O autor também possui outras obras lançadas e traduzidas aqui no Brasil, como Um Homem a Minha Espera, O Preço da Gloria Marcas da Vida, mas a editora Companhia das Letras desde o ano passado tem lançado livros do autor como Terra Estranha e O Quarto de Giovanni, e esse ano Se a Rua Beale Falasse e Notes of a Native Son, ainda sem título em português. Vale lembrar que o livro inspirou o filme, lançado neste ano e ainda levou pra casa o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, para Regina King.

Fica a dica desse autor fantástico e de suas obras, que possuem extrema importância social e que deveria ser lido por todos.

  • If Beale Street Could Talk
  • Autor: James Baldwin
  • Tradução: Jorio Dauster
  • Ano: 2019
  • Editora: Companhia das Letras
  • Páginas: 224
  • Amazon

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