Um Mulher no Escuro já começa com uma cena de assassinato brutal. Victoria Bravo era apenas uma criança de quatro anos quando presenciou o irmão e os pais serem mortos de modo grotesco. Poupada por algum motivo, uma Victoria de vinte quatro anos ainda tem as marcas no corpo e na mente dos acontecimentos daquela noite fatídica.

Levando uma vida quieta e sem relacionamentos que permitiam que outras pessoas a conhecessem de verdade, Victoria Bravo passou os vinte anos seguintes isolada e quieta em seu mundinho. Ela não permite que ninguém se aproxime de verdade e também não mede esforços para deixar as coisas como são. Como começar um relacionamento com alguém se ela não suporta que a toquem? Como contar a alguém sobre seu passado cheio de horror?

Em uma tentativa de ter alguém por perto, mesmo que de modo superficial, Victoria acaba conhecendo um rapaz pela internet. Após meses de conversa em um fórum, ela aceita se encontrar com Arroz, nome fictício do rapaz. Victoria não quer saber o seu nome verdadeiro, pois isso entraria no campo pessoal e tudo o que ela quer é evitar compartilhar sua história com outra pessoa. Ainda assim, os dois estabelecem uma relação conveniente durante dois anos.

Porém as coisas mudam quando Georges a convida para sair. Ele é um homem que frequenta quase todo os dias a cafeteria em que ela trabalha. Ele sempre se sentava na mesma mesa, ligava o laptop e passava horas. Em um impulso, nossa protagonista aceita o convite de Georges e nesse encontro, ele não se constrange nem um pouco em dar um relato de sua vida, o que acaba levando Victoria a conta seu passado para ele. Porém, logo depois disso, seu passado que deveria ser apenas isso, acaba retornando para assombrá-la.

Há quatro personagens no núcleo central além da protagonista Victoria, são eles: Arroz, doutor Max, Georges e Emília, e todos têm um papel importante a desempenhar na narrativa. Os três primeiros estão ali para nos deixar confusos para o quanto cada um deles pode ser confiável. Qual deles está dizendo a verdade sobre si? E Emília, que é a tia de Victoria, está para ser o elo concreto com o passado dos terríveis acontecimentos. 

Você só precisa tomar cuidado para não ir de um extremo a outro. O excesso de amor é tão perigoso quanto a falta.

Com a cada página virada, eu vinha desconfiado de todos, porém um deles não me saia da cabeça e foi bastante chocante me descobrir correta, pois havia muitas coisas por trás de tudo. Fiquei bastante perturbada ao ler uma revelação em especial, eu não esperava aquilo e foi mesmo tenso descobrir o que aconteceu. 

Li quase todos os livros do Raphael Montes lançados e sei o quanto sua escrita é ótima e poderosa, que nos transporta para seus universos macabros e sanguinários, porém, aqui, em A Mulher no Escuro, o autor traz uma abordagem diferente sobre a mente humana. Participei de uma noite de bate-papo e autógrafos com o autor e ele contou aos presentes que Uma Mulher no Escuro foi um verdadeiro desafio para si, pois em seus outros livros, os acontecimentos brutais e cheios de sangue são mais seu estilo. Aqui, apesar de termos uma ou outra cena assim, o autor trabalha bem mais o psicológico dos personagens e também o do próprio leitor, ao relatar a dolorosa história de Victoria Bravo. 

Quanto mais era revelado os segredos do passado que envolviam ou não Victoria, mais eu me sentia chocada com o quanto a humanidade podia ser destrutiva e maldosa. Além do choque, eu me senti também bastante enojada com algumas cenas de tão fortes e gráficas que elas foram para mim, por isso aviso sobre os gatilhos que podem conter nesse livro. Apesar da escrita fluída de Raphael Montes, não foi uma leitura nem um pouco fácil de se realizar e não a recomendo para aqueles que podem ser mais sensíveis a relatos de abuso sexual e pedofilia. 

Com todas essas considerações acima sobre o livro, eu gostei da história, porém tive ressalvas quanto a alguns eventos. Quando terminei a leitura, logo fui conversar com uma amiga que também havia lido, pois precisava desabafar com o quanto um fato específico (que se relaciona com outro) mexeu comigo ao ponto de ter vontade de jogar o livro na parede. Acredito que o propósito do autor tenha sido esse mesmo, porém não me senti confortável e por esse motivo tive que tirar uma estrela do livro. Eu recomendo a leitura, mas estejam preparados para tudo o que essa história pode revelar. 

  • Uma Mulher no Escuro
  • Autor: Raphael Montes
  • Ano: 2019
  • Editora: Companhia das Letras
  • Páginas: 256
  • Amazon

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