Aqui conheceremos George Orr, um homem comum, que descobre ter um certo “dom”, seus sonhos mais profundos têm o poder de alterar a realidade. Curioso não? Ao acordar Orr lembra de tudo como era antes do seu sonho, mas todos a sua volta parece não saber de nada, como se, independente do que ele tivesse sonhado, aquela realidade sempre tivesse sido daquele jeito para os demais.

Obrigado a procurar ajuda após ser pego com drogas que o mantinham consciente, ele procura o Dr. William Haber, um psiquiatra, que logo vê uma oportunidade no “poder” de Orr. Não demora muito para que Haber comece a manipulá-lo, afinal, seus sonhos poderiam moldar e alterar a nossa existência e história. Como se não bastasse a já estabelecida realidade em que o mundo se encontra, sofrendo com a escassez e poluição, agora a humanidade pode estar correndo um perigo ainda pior, visto que seu destino parece estar nas mãos de alguém que coloca a frente primeiramente seus propósitos pessoais.

Este é meu segundo contato com uma obra da autora Ursula K. Le Guin e assim como o A Mão Esquerda da Escuridão, a narrativa se prova extremamente inteligente. Comparando o modo que a autora construiu as duas obras, noto uma construção precisa, multifacetada e que aborda temas atuais mesmo numa obra escrita há anos.

Confira a resenha de A Mão Esquerda da Escuridão

Através de suas obras podemos perceber a preocupação de Le Guin em enriquecer sua escrita, mencionando arte, críticas, preocupações futuras quanto aos problemas sociais e o uso desenfreado de recursos. De forma muito sutil, todas estas questões geram um impacto no leitor, que página a página, em meio a história, percebe todas estas críticas sendo trabalhadas. Passei a apreciar a maneira que a autora constrói suas narrativas, compartilhando detalhes, trazendo profundidade e complexidade, mesmo numa premissa relativamente simples, como um homem que sonha e muda a realidade ou um homem que conhece seres que não possuem sexo definido.

Em A Curva do Sonho a autora brinca um pouco com as consequências da busca de um mundo ideal, porém logo percebemos que mesmo num cenário perfeito, as falhas ainda existem, principalmente quando executadas por alguém que deixa corromper-se pelo poder. Não existe ação sem reação e isso é latente durante a obra, o caos se estabelece em meio as tentativas de buscar uma solução para os problemas do mundo, mas as coisas não saem como deveriam e isso não é nenhum tipo de spoiler. Toda esta dinâmica e envolvimento com os personagens, garantem que a leitura seja viciante, o livro curtinho que tinha tudo para que eu concluísse em poucas horas, acabou me pegando com sua complexidade na trama e mesmo pequeno a história se basta.

A cada início de capítulo temos trechos de pensadores e autores que falam muito desse pensamento (vida em harmonia) e também da nossa relação com os sonhos. Alguns dos trechos mencionados são de Chuang Tsu, um filósofo taoista chinês que viveu antes de Cristo. É creditado a ele uma obra muito conhecida que falará basicamente sobre o ceticismo, o que conversa diretamente com a obra.

Falando um pouco sobre os personagens, criei durante a leitura uma certa visão sobre a relação dos personagens com o nosso protagonista sonhador que vou compartilhar com vocês, entretanto, me desculpem se parecer meio nonsense, mas foi mais fácil analisar estes relacionamentos assim: no núcleo temos Orr, o sonhador e Haber é o diabinho que só quer usá-lo. Em momento “x” da história conheceremos Heather, uma advogada que passa ajudar Orr e a incentivá-lo. Nesta analogia maluca que estou fazendo sobre eles, ela seria o anjinho no ombro direito de Orr. Poderia falar mais sobre os personagens, principalmente sobre Haber, mas sinceramente gostaria de evitar qualquer interferência na leitura de vocês.

Sendo assim, de forma geral a leitura foi muito agradável, assim como A Mão Esquerda da Escuridão, foi daquelas que quanto mais pensava sobre ela, mais achava incrível. Os pensamentos de Le Guin e tudo que ela inclui em seu texto foi percebido por mim aos poucos, como se estivessem escondidinhos nas entrelinhas da obra. Como disse, esta foi minha segunda experiência com a autora e é a segunda vez que noto isso, que suas obras são densas e carregam raciocínios propícios e necessários de serem debatidos.

Mesmo com suas poucas páginas, em A Curva do Sonho Ursula nos entrega uma obra impactante, que aborda questões sociais e comportamentais, que leva o leitor a reflexão sobre os diversos “e ses”, mas também fala sobre as diversas facetas do ser humano. Numa visão mais científica, teremos muitas informações sobre os sonhos, através das técnicas de hipnose de Haber com Orr, então para quem se interessa pelo assunto, também será uma leitura bastante interessante. Já em uma perspectiva mais rasa, posso dizer que a obra pode falar até sobre egoísmo e egocentrismo ou sobre oportunismo e apatia. Como disse, quanto mais penso sobre a leitura que acabei de fazer, mais pensamentos surgem.

De qualquer maneira, é uma leitura fácil de ser feita que devo reler algumas vezes ainda. Tenho certeza que a cada leitura, absorverei algo novo.

  • The Lathe of Heaven
  • Autor: Ursula K. Le Guin
  • Tradução: Heci Regina Candiani
  • Ano: 2019
  • Editora: Morro Branco
  • Páginas: 224
  • Amazon

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