Minha intenção, no momento em que finalizei a primeira temporada de Dear White People, era escrever um texto caloroso e apaixonado acerca do seriado, era indicar a produção para os leitores do Estante Diagonal e ressaltar que, enquanto outra série – liberada na mesma época pelo serviço de streaming Netflix – chamava a atenção pelos motivos errados, Dear White People transmitia mensagens e lições pertinentes, porém, permanecia pouco abordado. Após algumas conversas com a maravilhosa Maria, quem gentilmente ouviu minhas dúvidas e demonstrou novos olhares para com essa série que defendo e admiro; após muito aprender, observar e refletir; após três temporadas e 30 episódios, considerei que não poderia esperar mais para abordarmos Dear White People. E, desde já peço desculpas por todo o tempo que levei para redigir este texto e compartilhar com vocês um seriado que, de maneira cativante, muito bem estruturada, mesclando momentos sérios com cenas divertidas e inusitadas, vai muito além de demonstrar o cotidiano de jovens negros que frequentam uma importante Universidade dos Estados Unidos.

O direcionamento inicial para estabelecimento do enredo da primeira temporada, o qual se expande, amplia e transforma ao longo das temporadas seguintes, tem início quando Samantha White, uma estudante pertencente à comunidade negra da Universidade Winchester, criadora e locutora do programa de rádio que recebe o mesmo nome do seriado, se apropria de uma festa blackface, promovida por estudantes brancos e provenientes de elevadas classes sociais, para escancarar, criticar e demonstrar o preconceito e racismo institucionalizado na universidade, bem como na própria sociedade. Como maravilhosa análise e retrato da realidade que é, a narrativa logo demonstra as consequências dos atos de Samantha, as polêmicas irracionais que surgem e assombram uma crítica pertinente perante a sociedade, os ataques sofridos, a dificuldade de alguns em compreender quando um evento ou atitude é errado e racista.

Enquanto a trama principal é desenvolvida, acompanharemos os desafios, cotidiano, anseios e pensamentos de outros personagens não somente sobre a festa blackface, mas também sobre toda uma gama de temáticas que partem desde o descobrimento da sexualidade, a pressão e cobrança para ser um estudante exemplar, as relações entre pais e filhos, chegando ao preconceito, racismo e violência policial e tantos assuntos importantes, comumente debatidos nos mais variados meios de comunicação, os quais, infelizmente, muitos parecem estar longe de compreender e lutar por verdadeiras e efetivas mudanças.

Assim, aliadas à trajetória de Samantha White, a militante, locutora de rádio, crítica ferrenha do racismo estrutural e institucional, apaixonada por um jovem branco; observaremos também a trajetória de Troy Fairbanks, filho do diretor da universidade, dividido entre seus amigos brancos e comunidade negra; Lionel Higgins, o garoto tímido que escreve e revisa artigos para um dos jornais da universidade, homossexual iniciando sua trajetória de aceitação e descoberta, aspirante a escritor de renome; Coco Conners, estudiosa e esforçada, quem caminha por entre as comunidades brancas e negras, quem sofre com a pressão de ser boa o suficiente, de manter as notas elevadas, de manter as aparências mesmo que o mundo esteja em chamas.

Dear White People, ou Cara Gente Branca, é uma produção do serviço de streaming Netflix em parceria com a Lionsgate. O seriado, renovado para a quarta e última temporada, divide-se em dez episódios de aproximadamente 25 minutos, oferecendo ao espectador uma mistura harmoniosa de crítica social, ironia, sarcasmo, descontração, toques de comédia e, principalmente, momentos belamente estruturados para a criação de conexões entre aquele que assiste e os personagens desta história.

Ao contrário do que os incomodados, cegos perante as nuances, racismo e preconceito existente em nossa própria realidade buscam afirmar, o seriado fundamenta-se em debates e críticas sérias. Embora volte o olhar para cenários e contextos vivenciados por comunidades e cidadãos dos imaculados Estados Unidos da América, o que encontramos aqui, cada comentário, cena, personagem ou reflexão pode ser transportado para as mais diversas realidades, inclusive a brasileira. Sob os momentos descontraídos, paleta de cores agradável, posições de câmera interessantíssimas e personagens diversificados e muito bem construídos, observamos debates e comentários socioculturais profundos. Desta maneira, apesar de não se tratar de um seriado didático, acadêmico, pensado única e exclusivamente para transmitir mensagens, visões de mundo e, ainda, demonstrar onde e como estamos errados, Cara Gente Branca ensina muito ao espectador.

O brilhantismo da narrativa se revela quando percebemos a maneira com que acolhe os mais diversos espectadores, ensinando, oferecendo lições e modificando visões de mundo daqueles que compreendem as temáticas abordadas ou ainda se encontram no percurso do aprendizado e reparação dos erros passados. Da mesma forma, ela levanta a bandeira da representatividade e a mantém hasteada do início ao fim de cada episódio, de cada temporada. Ao ressaltar eventos, dores, frustrações, ansiedades, alegrias e amores existentes no cotidiano de cada personalidade, a narrativa aproxima espectador e personagem, muitas vezes, se utilizando da clássica e comentada “quebra da quarta parede”, contudo, ao mesmo tempo em que oferece possibilidades de conexão, ela também ressalta as diferenças, os desafios, o preconceito enfrentado por diversas pessoas por serem negros. Deste modo, nos aproximamos e afastamos a todo momento, compreendendo a importância da temática e, dependendo do tipo de espectador, agregando novas vozes em favor dos debates aqui trabalhados.

Embora não seja meu lugar de fala, ainda que minha realidade não se encontre fundamentada, abalada ou mesmo tocada pelo preconceito e racismo estrutural. Mesmo que necessite de aprendizados mais profundos – pois acredito que a vida é nossa maior professora e devemos aproveitar cada lição, seja ela transmitida por um livro, uma série, um evento ou um desafio do cotidiano – precisava compartilhar com vocês este seriado e peço desculpas por levar tanto tempo para finalmente indicá-lo por aqui.

Séries, assim como filmes, livros, histórias em quadrinhos e jogos, são maravilhosos por nos divertirem, nos transportarem para novos mundos, nos fascinarem com eventos, objetos, realidades que nunca sonhamos ser capazes de vivenciar, porém, sempre acreditei que as melhores histórias são aquelas que, além de nos entreterem, de explorarem cenários fantásticos ou introduzirem seres existentes apenas em nossa imaginação, nos ensinam importantes lições. É por isso que indico Dear White People. Aqui encontramos cuidado, carinho e pensamento estruturado desde a escolha do figurino, da paleta de cores, das posições de câmera até a interligação dos eventos, da construção de críticas sociais e estabelecimento de relações entre o mundo real e a narrativa do seriado. Tudo é elaborado para transmitir lições, apontar injustiças e contextos, entreter e, aqui meus olhos brilham de orgulho, apresentar ao espectador um seriado de qualidade.

Se você não conhecia, nunca assistiu ou estava na dúvida sobre conferir Dear White People, aqui está minha indicação e pedido para que ignore por completo uma certa 13 Motivos e aposte nesta produção que, ao contrário da anterior, sabe exatamente o que está fazendo!

  • Dear White People
  • Lançamento: 2017
  • Criado por: Justin Simien
  • Com: Logan Browning, Brandon Bell, DeRon Horton
  • Gênero: Comédia; Crítica Social
  • Duração: 10 episódios – 26 minutos

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