A Segunda Guerra Mundial foi muito maior do que imaginamos. Há muitos documentários, filmes e livros que abordam os acontecimentos envolvendo esse período. Já está mais que claro que esse conflito não envolveu somente homens, as mulheres tiveram vital importância durante a guerra. Foi nesse mesmo período que tantas mulheres, em diferentes países começaram a ocuparam funções que antes eram consideradas masculinas, inclusive dentro das próprias forças armadas.

Tudo que envolve a Segunda Guerra Mundial é misterioso e digno de dúvida. Há até hoje muitos segredos guardados a sete chaves por vários países. Com o término da guerra muitos segredos foram revelados, entre eles o Pacto Molotov-Ribbentrop e 588º Regimento de Bombardeio Aéreo Noturno Soviético.

Assim, vamos pra contextualização: Josef Stalin, líder da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) na época da Segunda Guerra fez um acordo com Hitler (os alemães tinham muito a oferecer a Moscou — incluindo bombas), que, além de ter acordos comerciais, garantia que os dois Estados não entrassem em guerra nos 10 anos seguintes. Contudo, em 22 de junho de 1941, dois anos após O Pacto Molotov-Ribbentrop ser assinado, as forças armadas alemãs invadiram a União Soviética. Em pouco tempo as tropas de Adolf Hitler destruíram as forças soviéticas e tomaram praticamente todo o leste europeu, se projetando cada vez mais contra o interior da Rússia. Isso assustou Stalin.

A URSS já estava inserindo em suas forças armadas mais de 800 mil mulheres, sendo 300 mil diretamente para o campo de batalha. Elas eram de tudo, mecânicas, médicas, instrutoras, pilotas de tanques, até atiradoras de elite. Com os nazistas entrando cada vez mais no território das URSS, havia necessidade de ampliar a força aérea soviética para impor alguma defesa contra a Força Aérea Alemã. Foi esse o motivo do nascimento do 588º Regimento de Bombardeio Aéreo Noturno Soviético.

E a história das mulheres desse regimento que é contada por Ritanna Armeni em As Bruxas da Noite. Ritanna é jornalista e sempre quis escrever um livro sobre as bruxas. Quando ela descobriu que Irina Rakobolskaya, matemática e física, ela buscou durante meses a possibilidade de entrevistar a chefe de equipe no regimento feminino. Foram muitas tardes na casa de Irina, entrevistando-a e registrando tudo que ela falava e mostrava à jornalista.

A partir dessa noite, tudo muda: a guerra entrou na vida das mulheres do 588 pela porta principal, a da morte.

O relato é feito em ordem cronológica, a partir do momento em que a Coronel Marina Raskova, uma famosa aviadora russa procura Joseph Stalin com a ideia de criar regimentos femininos na aviação soviética. A intenção é que toda a equipe seja composta pelo sexo feminino, do administrativo ao conserto dos aviões. Depois de alguma resistência, em 1941 nasce os três regimentos femininos. O mais incrível nessa história é que as mulheres eram voluntárias, havia as matemáticas e engenharias, mas também havia as donas de casa.


Eu adoro quando sou surpreendida por algo da história humana que eu não sabia. Nunca tinha imaginado que as mulheres participaram dessa maneira da guerra. Eu sabia da importância delas como enfermeiras, matemáticas, mecânicas, entre tantas outras funções, mas assim frente a frente com o inimigo, eu não fazia ideia. Só isso já deixa o livro com uma baita importância. Relatar a história de mulheres que ajudaram a vencer a Alemanha Nazista é um trabalho delicado e cheio de responsabilidade.

Irina, com seus 96 anos fala sobre o curto e intenso período de treinamento e relata o dia a dia dela e das companheiras durante os 23 mil voos feitos no período de 4 anos. A finalidade do regimento era, com a intenção de assustar, bombardear as linhas de defesa avançada das tropas alemãs. Esse método é chamado de bombardeio de assédio, uma tática psicológica, na qual, de modo imprevisto mas constante, fustiga-se o inimigo com bombas de baixa potência, imprimindo às tropas assediadas elevado estresse, abaixando o moral e minando sua aptidão para a luta.

Uma mulher é capaz de tudo.

As aviadoras pilotavam um modelo de avião obsoleto que tinha como propósito servir a área agrícola. Os Polikarpov’s Po-2 tinham uma velocidade máxima de 150 km/h. Por serem pequenos e lentos, eles possuíam pouca capacidade de carga, o que obrigava as pilotas a saírem em várias missões na mesma noite. O esquadrão feminino começou a desligar os motores quando chegavam perto de seus alvos, assim era quase impossível perceber a chegada dos aviões. Assim, o forte zumbido do vento passando pelas asas das aeronaves assustavam os alemães, que começaram a falar sobre bruxas. Assim nasceu o apelido Bruxas da Noite.

É impressionante acompanhar os relatos de voos específicos e de como a relação dessas mulheres foi sendo construída. Elas eram determinadas, fortes, destemidas e orgulhosas de seu papel da guerra. Tudo isso fica ainda mais emocionante com o tom da autora ao relatar alguns momentos específicos com sua entrevistada. Eu gostei muito que ela não fica centralizada somente em narrar o passado, mas mostra também como Irina se emociona ao falar sobre o passado e sobre suas amigas. Muitas companheiras não voltavam de seus voos noturnos.

Outro ponto importante do relato é o preconceito que elas sofriam de regimentos masculinos, demorou muito tempo para que elas fossem reconhecidas “como iguais”. O mais injusto de toda essa história ocorreu após a guerra quando essas mulheres mostraram a intenção de continuar suas carreiras na aviação e receberam não como resposta. Sem chance de lutar por direitos iguais, o conservadorismo da época não deu espaço para essas incríveis mulheres que foram simplesmente desligadas do regimento.

Demorou muito, mas As Bruxas da Noite têm um pequeno espaço dedicado a sua história no Museu da Grande Guerra Patriótica, em Moscou. Agora também, graças a Ritanna Armeni, elas têm um incrível livro que conta como o poder feminino fez história na guerra.

  • Una donna può tutto
  • Autor: Titanna Armeni
  • Tradução: Karina Jannini
  • Ano: 2019
  • Editora: Seoman
  • Páginas: 248
  • Amazon

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