Desde que conheci Edgar Allan Poe, passei a compor sua presença no Estante Diagonal como um recorrente convidado especial. São inúmeras as obras que resenhei sobre o autor, vídeos que gravei e até guia sobre sua vida e obra, apresentado aqui no dia do seu aniversário de 210 anos. Acho que o que me fascina, além do seu legado, claro, é todo o mistério envolvendo sua morte e sem dúvidas não é um fascínio só meu e por este motivo trago para vocês, mais uma dessas homenagens em forma de quadrinho, tão bem executada por um time de peso de artistas nacionais.

Um guia para Edgar Allan Poe

Delirium Tremens é uma coletânea de contos inspirados no universo de Edgar Allan Poe. Desde sua morte, as obras de Poe vêm sendo adaptadas e servindo como fonte inesgotável de inspiração para inúmeros artistas e autores. Neste quadrinho não é diferente, com a diferença que os roteiristas e ilustradores optaram por um caminho mais livre, sem as amarradas de uma adaptação fiel.

A edição chegou para celebrar os 210 anos do autor, sendo assim, Raphael Fernandes, organizador da edição, reuniu um grupo de quadrinistas para os 8 contos que se encontram nesta edição, cada um homenageando um conhecido conto do autor. Dentre os contos poderemos perceber que vários se utilizam das obras originais como amparo, mas muito além disso, diversos aspectos da própria biografia misteriosa do autor também serão explorados.

Dentre os contos criados alguns me chamaram a atenção como o In articulo mortis, quarto conto da edição assinado por Larissa Palmieri e Má Matiazi, que abordará a hipnose no seu contexto. O tema interessava muito a Poe e por este motivo ele acabou escrevendo Os fatos no caso do Sr. Valdemar. Outro conto incrível é O insólito caso de vossa excelência deputado Mendes, que trabalha a podridão da política brasileira de forma fétida, é incrível e bem forte, destaque para o traço de Ebá Lima, todo o conto é de um tom “podre” como se as páginas transmitissem a verdadeira essência da história.

Aliás, todos os contos apresentam traços e cores bem diversificadas, dando um tom próprio para cada uma das histórias, com certeza estarei procurando mais sobre outros trabalhos de artistas como Erick Pasqua e Tiago Palma.

Falando na arte, por fim destaco Butim, que vai explorar o medo do autor de ser enterrado vivo. Sério, que conto incrível e que reviravolta na trama! O tempo todo teremos neste conto a visão do próprio “falecido” o que é extremamente perturbador ao longo que os fatos envolvendo sua morte vão sendo revelados. Observando a edição como um todo, é muito interessante como os quadrinistas mantiveram viva a crítica a própria natureza humana em diversos contos.

A crítica sobre o sistema, a corrupção e o machismo, como no desfecho do caso de Santo Sepulcro onde teremos uma crítica ao mundo obscuro da igreja católica, explorando os inúmeros casos de pedofilia entre padres. Estes são só alguns exemplos dos temas que serão abordados por estes contos cheios dos diversos horrores, da ficção ou do mundo real.

Edgar Allan Poe sempre explorou a morte em suas histórias, seja através de narradores homicidas, através da sua homenagem as diversas mulheres que passaram tragicamente por sua vida ou através do próprio espectro da morte. Este é um reflexo muito claro da sua própria relação com o luto. Então, se existiu alguém que poderia explorar isso em sua escrita, este alguém foi Edgar Allan Poe. Mal ele sabia que sua própria morte corroboraria com isso.

Delirium tremens ou não, em meio a fatos do qual Poe desejava apenas esquecer, existe muita verdade em sua obra e nesta coletânea de contos originais nacionais não poderia ser diferente. Se Poe escrevia para tentar superar a morte, nas mãos de milhares de artistas que se inspiram em sua obra, hoje ele é eterno. Destaco o trabalho gráfico incrível da Editora Draco, que apresenta uma edição em capa dura, com uma capa animal assinada por Daniel Canedo, a arte transmite toda a nuance da mente assombrada que Poe carregava, o retrato de um autor que jamais será esquecido.

  • Delirium Tremens
  • Autor: Raphael Fernandes
  • Ano: 2018
  • Editora: Draco
  • Páginas: 184
  • Amazon

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