O que aconteceu com as famílias que perderam parentes na ditadura militar brasileira? Como que filhos ficaram sem pais e cônjuges sem seus companheiros? Ainda Estou Aqui é o relato da família Paiva, uma de várias que foram afetadas pelo regime de terror militar que surgiu a partir da década de 1960 no Brasil.
Marcelo Rubens Paiva – o autor – é filho de Rubens Paiva, um ex-deputado que foi cassado logo em que assumiu seu cargo devido ao golpe de 1964. Após a cassação e o novo regime em vigor, teve que se separar da sua esposa e dos seus cinco filhos para viver no exílio. Porém, angustiado com a distância e querendo voltar a viver em seu país, Rubens retorna ao Brasil e de lá se depara com os últimos momentos de sua vida após uma falha de organização entre os contatos de pessoas contra o regime que tinha acabar levando até ele os militares dedicados a prender, torturar e ocultar os considerados “inimigos” do Estado.

A morte e o desaparecimento de Rubens Paiva foi um mistério durante muitos anos e foi na luta pela verdade que sua esposa, Eunice Paiva, guerreou árduamente para conseguir a verdade. Através de relatos chocantes, detalhes íntimos e uma trajetória não linear dos acontecimentos, Marcelo Rubens Paiva traça os principais acontecimentos que marcaram a família Paiva, desde a perseguição política até o desaparecimento do seu pai, passando pelas dificuldades que a família Paiva enfrentou e a transformação de Eunice Paiva, de uma mulher conservadora à advogada protagonista na luta pelos direitos indígenas, pelos direitos humanos e a incansável busca pela verdade a respeito do que aconteceu com seu marido enquanto a doença de Alzheimer começa a aparecer e a tirar o que mais era vívido em Eunice: sua memória.
Durante anos, no Brasil, o nome da minha família foi riscado do mapa.
Durante anos, no Brasil, a minha família foi evitada.
Durante anos, alguns brasileiros, conhecidos e amigos, nos evitaram. Até parentes.
Nos temiam. Temiam ser associados a nós.
Ainda Estou Aqui virou filme e na altura do campeonato a maioria deve estar ciente do quão relevante foi este filme para a produção cinematográfica brasileira onde levou um histórico Globo de Ouro e Oscar – o primeiro – para o Brasil. O filme assim como em qualquer produção para o cinema baseada em obras literárias, não contempla todos os detalhes do livro.
Aqui Marcelo Paiva é mais intimista, compartilha conosco detalhes que nem foram apresentados no filme. De uma forma humorizada e ácida em alguns momentos e debochada em outros, ele narra toda a trajetória envolvendo o desaparecimento de seu pai como se mantivesse uma conversa intimista com o leitor, cara a cara, sem filtros e sem omissões.

A escrita de Marcelo favorece bastante a compreensão das situações presenciadas e vividas. As dificuldades em lidar com uma mãe com Alzheimer mas que carrega o peso de uma história de muita luta e relevância para o direito brasileiro é devastador. A dor do luto é presente do início ao fim: saber que até hoje a injustiça prevalece sobre as vítimas da ditadura – apesar de ter tido algumas conquistas como a emissão de certidão de óbito – é avassalador. Por outro lado, tendo um herdeiro dos Paivas que relata de forma exemplar um traço do que foi a ditadura militar brasileira.
Livros como este são essenciais para o enriquecimento cultural, intelectual e para a construção de um acervo histórico para nosso país. Não podemos omitir, subestimar e nem diminuir o impacto causado pelo golpe militar de 1964 nas famílias brasileiras como um todo. A tortura, o desrespeito aos direitos humanos e a violação constante de direitos deve ser sempre denunciado e combatido. Aqui, Marcelo Rubens Paiva faz seu papel: denuncia as barbaridades do que foi o regime que tirou a vida de seu pai e também as sequelas que ficaram para toda a família. É lembrar que as vítimas da ditadura Ainda Estão Aqui.