Quem me acompanha há mais tempo, sabe o quanto sou apaixonada por romances de época e recentemente, também desenvolvi um carinho especial por fantasias. Agora imaginem estes dois gêneros num único livro? O Beijo Traiçoeiro é o primeiro volume da trilogia de estreia da autora Erin Beaty, lançamento da Seguinte e toda a trama acontece em um recorte histórico bastante conhecido pelos livros de Jane Austen.

Nele conheceremos Sage Fowler, que aos 12 anos fora acolhida pelos seus tios após a morte de seu pai. Seu pai sempre permitiu que Sage estudasse sobre todo e qualquer assunto. Estudar e ensinar estava intrínseco nela tanto quanto estava em seu pai e não perder este hábito a ajudava a matar a saudade que sentia por ele. Após 3 anos, não demorou muito para que ela mesma virasse a tutora de seus primos, porém ela sentia que não se encaixava naquela casa e apesar de ser muito grata pelo seu tio William, ela sabia que ele a queria longe tanto quanto ela gostaria de partir. Devido ao seu temperamento rebelde, Sage acaba arruinando os planos do tio em encontrar um pretendente e sua entrevista com uma das casamenteiras mais renomadas do reino de Demora acabou sendo um fiasco.
A personalidade de Sage e seu jeito perspicaz de observar as coisas acabam impressionando a Srta. Darnessa Rodelle, que acaba lhe oferendo um empreso de aprendiz de casamenteira. Com a chegada do Concordium, evento onde a união entre famílias é selada através do matrimonio, Darnessa precisará da ajuda da jovem para partir junto a ela com a comitiva de jovens damas da nobreza. Sage aceita, afinal que outra oportunidade receberia nas atuais circunstâncias?

Moral da história: ele esperava que Sage ficasse grata. Grata por se casar com um homem que mal conhecia. Grata por seus pais, que haviam se casado por escolha própria, não estarem vivos para se opor.

O pelotão dos amigos, Alex Quinn, Casseck, Ash Carter e o próprio Príncipe Robert, é o responsável por fazer a escolta das noivas, uma missão até então simples, mas que esconde o seu principal objetivo, investigar o que está por trás de uma possível conspiração contra a coroa. Podendo transitar entre a criadagem e a nobreza, Sage acaba recrutada por um dos soldados pela sua facilidade em perceber e unir informações e o seu trabalho como espiã acaba virando um papel chave na investigação.

O Beijo Traiçoeiro é o meu tipo de livro. Aquele que envolve um amplo conflito político, uma ótima construção de personagens e mundo. O que brinda a trama é o pano de fundo de espionagem, intrigas, disfarces e identidades secretas somam e enriquece o enredo, e claro, podemos contar também com o elemento surpresa, que choca e instiga o leitor ainda mais. Para quem procura apenas uma fantasia jovem adulta em busca apenas de um romance, poderá se decepcionar. Ele existe, ele acontece ao longo das páginas, mas definitivamente não é o foco principal do livro, e nem poderia.
São tantas coisas acontecendo que chega a ser inviável para a autora trabalhar isso com mais profundidade e isso não é um ponto negativo, pelo contrário. Eu como leitora agradeço que o ritmo narrativo não tenha sido interrompido desta forma, o que acabou ocasionando que as cenas onde os protagonistas acabam se descobrindo melhor sejam melhor digeridas e aceitas pelo leitor. Nós acreditamos em cada decisão e sentimento que é desperto com o relacionamento, como algo natural e verdadeiro, como um romance em contextos assim precisam ser.
Como de praxe em romances de época, aqui temos uma protagonista que não se encaixa nos padrões da época, seja pela forma em que se comporta ou por sua posição social. Sage cresceu vestindo calças e subindo em árvores, um comportamento completamente inadequado para uma dama de sua idade. Tendo visto seus pais se casarem por amor, a ideia de se casar com um total desconhecido é algo inconcebível para Sage e por este motivo que ela escolhe não se casar. Porém, é ao lado de Darnessa que ela percebe o quanto as mulheres são peças fundamentais nas alianças políticas e no futuro do reino, e pessoas como a casamenteira tentavam fazer disso algo melhor para estas garotas que pouco tinham a escolher.
A narrativa do livro é intercalada entre diversos pontos de vistas, mas tendo o foco principal em Sage. Esta ferramenta permite ter uma visão mais ampla dos acontecimentos e a movimentação dos personagens, porém isso não acontece para que estejamos sempre a um passo à frente durante a leitura. Erin Beaty não nos entrega tudo de bandeja e assim como os personagens nos vemos numa teia de acontecimentos e tentando juntar os pedaços daquilo que podemos ter perdido no meio do caminho. É incrível o quanto em determinado momento me vi completamente confusa e impressionada com a facilidade em que a autora soube me levar ao erro. Tudo isso acontece em capítulos curtidos o que contribui e muito para o ritmo da leitura, que é a cada página mais instigante.
Falar mais sobre os personagens pode abrir uma certa brecha para que eu solte algum spoiler decisivo e estrague a experiência de leitura de vocês, principalmente quando me refiro ao núcleo masculino. Porém existem alguns que merecem ser mencionados, dentre eles Darnessa, que me pareceu ser uma mulher cheia de histórias para contar e que ganhou suas próprias motivações para dedicar uma vida ao ramo de casamenteira. É possível notar uma certa dor na personagem, mesmo que isso não tenha sido nem um pouco explorado. Falando nisso, Clare, uma das noivas que acabam virando amiga de Sage, parece ter entrado na história apenas para este propósito. Ela ganhou muito pouco destaque e merecia, na minha opinião, um pouquinho mais de foco. Existe sim, uma ponta solta em relação a isso, o que eu espero que seja explorado nos próximos livros.
Como leitora de romances de época, eu sei o quanto o gênero é estereotipado e limitado. São poucas as autoras que ousam e que tentam trazer novos elementos e conflitos para suas histórias. O Beijo Traiçoeiro em si, já é algo completamente inusitado, mesmo que a trama receba sua dose fantasiosa é possível perceber que a base da autora são os princípios do gênero. Então, por este motivo, gostei que a autora tentou trabalhar, mesmo com pouca eficiência, alguns detalhes da história. Alguns exemplos disso são a abordagem da violência doméstica nos casamentos arranjados, cor de pele do personagem principal e a questão das profissões na época.
Após concluir a leitura é impossível não desejar uma continuação. A autora conseguiu unir tudo que gosto em uma única história e o resultado não poderia ter sido diferente. Vejo muito potencial para a continuação desta trama, consigo ver personagens sendo melhores explorados, uma guerra tomando outros rumos e um casal completamente improvável desbravando seus próprios sentimentos e desafiando seus anseios. Eu recomendo a leitura para todos que desejam ler um livro com uma boa construção de mundo como pano de fundo e cheio de reviravoltas. Erin Beaty é ousada, consegue enganar o leitor e não tem medo de chocar, receita infalível para um livro de sucesso.

  • The Traitor’s Kiss
  • Autor: Erin Beaty
  • Tradução: Guilherme Miranda
  • Ano: 2017
  • Editora: Seguinte
  • Páginas: 440
  • Amazon

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