Certa vez escutei que se causa dor então não é amor e desde então tal sentença tem povoado minha mente enquanto regra, enquanto definição. Mas a verdade é que cada um sabe o que sente dentro de si, e alguns parecem sentir mais, com mais intensidade, com mais sofreguidão, com mais expectativas e com mais decepção. Tal qual alguém que se lança em um precipício, Igor Pires se lança em suas histórias, em suas emoções e em seu sentir. Se ele tem medo, tem em igual proporção coragem, pois é isso que é necessário para conseguir recomeçar após cair repetidas vezes. A paixão e o romance ganham voz nessa obra, que desnuda a alma do próprio escritor, que também é o personagem de seu enredo.

te amar foi o meu primeiro grande ato de coragem na vida. meu segundo foi te deixar partir

Sua história é contada por meio dos poemas, por meio da beleza das palavras e com maestria ele brinca com o vocabulário para nos fazer sorrir, para nos fazer chorar, para nos fazer suspirar. Seus poemas falam de encontros e desencontros, inícios e términos, lembranças tristes e felizes mas acima de tudo falam sobre ser verdadeiro. Sobre ser entregue. Em um mundo cada vez mais líquido, onde a conexão está escassa, Igor Pires faz uma ode aos sentimentos profundos e mergulha em si mesmo para superar o que parecia insuperável. Ele faz mágica com o texto e consegue extrair poesia mesmo da tragédia, e isso é para poucos.

eu nunca vou te perdoar por ter deixado este gosto amargo, seco, intragável e solitário de algo que poderia ter dado certo, mas não deu. não tem chocolate algum que cure o sentimento de tristeza que ficou depois que você abriu as asas e saiu voando.

Tendo como pano de fundo a pandemia, somos conduzidos pelo autor pelas ruas do próprio coração. Enquanto fica em casa, ele decora cada canto da sua própria alma, conhece um novo lugar em si mesmo, viaja pelos próprios pensamentos. Enquanto olha para as paredes brancas do apartamento, reflete sobre a vida, sobre a morte, sobre as perdas. Com ele lembramo-nos daqueles que partiram, daqueles que decidiram sair da nossa história mesmo tendo todos os motivos do mundo para ficar, lembramo-nos do adeus sínico daqueles que diziam nos amar mas que preferiram ir fazer morada em outras pessoas. A casa que agora parece vazia demais sem aquela presença tão marcante, a segunda taça de vinho guardada no armário pegando poeira, os lugares que avistamos da janela e que nem chegamos a ir juntos esperando a quarentena passar e que agora será apenas mais um plano que não chegamos a executar.

parece que tô me afogando o tempo inteiro, pedindo ajuda com os braços estendidos pra quem quer que consiga me enxergar, mas as janelas do apartamento estão fechadas, e com a pandemia, ninguém escuta

Todas as coisas que eu te escreveria se pudesse é apenas um livro, mas derrama lágrimas sobre nós. É tão triste que é capaz de exorcizar mesmo a dor que não tivemos; mesmo o amor que não perdemos; mesmo a lembrança que não criamos. Pode nos faltar a experiência do autor para sentir como ele sentiu, mas ao ler é como se fossemos os protagonistas junto com ele. É como ouvir uma música triste quando você já está triste, parece que arranca lá de dentro aquilo que a gente não consegue colocar pra fora. É isso que o Igor Pires faz nesse livro, seu talento com as linhas é capaz de dar nome ao que nem sabíamos sentir. Você se identifica de tal forma que é como se colocasse um espelho no próprio coração. Ele fala de um amor que partiu e você sabe que é exatamente assim que se sentiria caso isso acontecesse com você. Pode existir beleza mesmo na dor, e esse livro é quase uma obra de arte.

disseram-me que pra te amar eu precisaria ir pro inferno. mas o que seria do paraíso se eu não pudesse te amar nele também?

  • Todas as coisas que eu te escreveria se pudesse
  • Autor: Igor Pires
  • Ano: 2021
  • Editora: Globo Alt
  • Páginas: 352
  • Amazon

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