Nesse livro, a Editora Arqueiro nos convida a ler pequenas lições de vidas através de uma sucessão de amizades um tanto improváveis. Para começar nós temos a relação entre uma senhora de 104 anos e um escoteiro magricela cheio de manias. A função do menino era ajudar Srta. Viktus em algumas tarefas gerais para manutenção da casa aos sábados, durante algumas semanas.  Logo ela enxergou as qualidades do menino. Turrona e exigente do jeito que ela era, já tinha dispensado outros voluntários, mas esse era diferente. Ele despertou sentimentos nela, que fazia tempo que ela não sentia, através de um projeto de escola onde ele gravou fitas sobre a história de Ona Viktus. Ele também foi responsável por convidá-la a fazer parte de uma aventura: bater recordes para se imortalizar no Livro Guinness.

Porém, depois de algumas semanas o menino não voltou mais. No lugar dele apareceu a sua porta um homem beirando a meia idade se dizendo pai do garoto. Quinn Porter é o típico músico frustrado que negligenciou por muito tempo o filho e a mulher para correr atrás do seu sonho de fama. Agora ele se vê obrigado a cumprir as promessas feitas pelo filho para essa senhora. Mal ele sabia que o compromisso que o filho tinha, ia muito mais além do que limpar o quintal e dar comida aos pássaros. O menino tinha prometido uma amizade.

Mas não havia palavras que descrevessem fielmente toda a loucura daquelas últimas horas, o corre-corre, a confusão da viagem, as saudades de casa, os momentos de vergonha e os desejos conflitantes. Ela agora se perguntava como um pirralho de 11 anos a persuadira a querer mais 18 anos disso.

O livro também propõem falar sobre outras questões. A velhice é um ponto muito bem tratado, aliás. Diversas vezes vemos Ona lidando com essa fase da vida, mostrando os estigmas que ela carrega pela idade e frustrações em relação as suas limitações. Aos 104 anos, ela já viveu tantas coisas e perdeu tantas outras. E, de repente, surge um menininho e diz: “vamos bater o recorde de pessoa mais velha do mundo!”. Estaria ela disposta a enfrentar mais tantos anos tendo em mente que viver está longe de ser algo fácil?

Apesar da amizade parecer um tanto improvável entre um garoto de 11 anos e uma centenária, o problema de sociabilidade de ambos é o grande ponto de ligação entre os personagens. O menino é aficionado por recordes, tem mania de contar as coisas até dez, tem diversas coleções, além de ser considerado bem “estranhinho”, até mesmo pelo pai que diz não entender o filho. E esse ponto da falta de ligação do pai com o filho e o foco do Quinn em sua carreira é bastante explorado no livro.
Conhecemos a maior parte da história da Ona através de conversas gravadas entre ela e o menino. Mesmo sendo praticamente um monólogo, já que o menino faz questão de não fazer parte da fita, a autora trabalhou isso de uma maneira que ainda assim ele está lá, interrompendo e questionando. Essas partes são de extrema importância para o significado do livro como um todo. As pessoas mais velhas estão recheadas de vivências, mas nunca tem alguém que está realmente interessado em ouvi-las. Para sorte da Ona, ela encontra um menino em um milhão!
A autora também trata de uma síndrome chamada “QT longo”, que não ficou muito clara para mim. Existe muitos questionamentos sobre a “estranheza” do menino, mas essa síndrome não é a resposta. Ela está relacionada a outra acontecimento na história. Aliás, ver como a Belle, mãe do menino, lida com toda a situação que se desenvolve é muito tocante, inclusive a relação dela com o Quinn. Monica Wood fez eu mudar todo o meu conceito sobre livros narrados em terceira pessoa. Ela fez um trabalho maravilhoso! A história é tão fluída que você nem se importa de ter essa distância que esse tipo de narrativa traz. Pelo contrário, combinou totalmente com a proposta que encontramos nesse livro em que precisamos de tempo e de um olhar de fora para entender o que cada personagem está sentindo.

De repente lhe veio à cabeça uma imagem nítida do menino: a voz metálica, as listas, o rosto parado enquanto os dedos iam contando alguma coisa. Ficava pouco à vontade na presença do garoto, preocupado com o mundo que ele habitava.

Um Menino em Um Milhão é o tipo que livro que é bom ter um estoque de lencinhos por perto. Ele não é de chorar o tempo inteiro, mas tem umas partes que é difícil de segurar as lágrimas. Mas com o humor irônico de Ona e Quinn ainda é possível dar umas boas risadas. Com certeza foi um dos melhores livros que li até agora em 2017 e já entrou na minha lista de livros queridos da vida. Foi muito difícil sentar e escrever essa resenha, porque esse livro me tocou de uma maneira que eu tenho medo de não conseguir expressar tudo em palavras. O que posso dizer em linhas gerais é que se você gosta de histórias emocionantes, esse livro com certeza vai ganhar o seu coração.

A Editora Arqueiro também disponibilizou um conto gratuito dessa figura singular que é a Ona Viktus. Em Uma Em Um Milhão veremos como Ona lidou com o seu centésimo aniversário. Ele pode ser lido tanto antes da leitura do livro como depois. Uma ótima forma para você ter um primeiro contato com a escrita da autora.

  • The One-In-A-Million Boy
  • Autor: Monica Wood
  • Tradução: Marcelo Mendes
  • Ano: 2017
  • Editora: Arqueiro
  • Páginas: 352
  • Amazon

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