Judith Rashleigh não teve uma infância fácil, a vida nunca lhe permitiu um momento de verdadeira felicidade. Para a garota que amadureceu cedo demais o jardim do vizinho sempre foi, verdadeiramente, muito mais verde do que o reduzido pedaço de concreto que ousara chamar de lar.
Tudo o que esta mulher possuí é fruto de seu esforço, da superação dos obstáculos que surgiram a sua frente. Foi graças a sua paixão pela arte que Judith entrou para a universidade e conquistou um emprego em uma das mais importantes casas de arte de Londres.
Todas as mudanças, sonhos e ambições almejados, todos os planos de abrir sua própria galeria e casa de leilões são obscurecidos quando, ao desconfiar da veracidade de um quadro recém comprado pela galeria em que trabalha, nossa protagonista é demitida. Na ansiedade por esquecer-se dos erros e decepções que ousam acumular-se ao longo de toda sua vida, ela parte com seu amante e uma amiga para um hotel de luxo, porém, a vida lhe tira dos trilhos novamente quando uma morte inesperada acontece, direcionando a pobre e indefesa Judith para um caminho sombrio que pode lhe garantir um futuro.
Apesar da curiosa premissa, da ousadia demonstrada pelo New York Times ao indicar esta obra para amantes de livros como Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, Maestra foi minha primeira grande decepção de 2018 e, por defender o compartilhamento de obras que não nos agradam, na mesma medida em que compartilhamos aquelas que nos encantam, me proponho a redigir esta resenha.
O primeiro desafio que encontrei ao realizar esta leitura concentra-se na própria essência, construção e apresentação da personagem principal. O passado difícil, os relacionamentos abusivos, a relação com a mãe, tudo é brevemente explorado. Não existe delineamento do passado da personagem, não existe construção de sua personalidade, não encontramos aprofundamento algum e, a carência de detalhes relevantes em sua trajetória contribui para a falta de conexão entre leitor e protagonista, nos transformando em meros expectadores de uma história que, ao mesmo tempo, não sabe por qual gênero pretende seguir.
Na mesma medida em que encontramos uma protagonista rasa, uma mulher que, pouco a pouco, transforma-se em gênio do crime e assassinato, percebemos a posição social da própria autora. O constante destaque dado a marcas de luxo, a necessidade de ressaltar os sapatos, as roupas, a maquiagem usada pela personagem, demonstra um pensamento hegemônico que lutamos todos os dias para desconstruir. O status se cria por meio de uma marca, pelo dinheiro, pelo luxo e, ouso questionar a função destes detalhes para a narrativa.
Enquanto que em Lisbeth Salander encontramos uma personagem que busca a justiça de acordo com seus próprios termos, cujo passado de sofrimento e abuso forja a força e brilho que a transformam em destaque de uma trilogia, em Judith Rashleigh encontramos uma personagem sem motivações aparentes, onde a vingança e “raiva” é direcionada para todo e qualquer personagem que ousar cruzar seu caminho, onde o luxo e crescimento financeiro é mais importante do que a personalidade e caráter em meio a um mundo em decadência.
Como se não bastassem os problemas na construção da protagonista, a própria narrativa é confusa e pobre em objetivos. Não encontramos uma mensagem de poder e superação feminina pois, a personagem feminina é rasa, seu passado não é explorado e, suas atitudes seguem muito mais para uma possível manutenção do status quo, do que para a quebra de padrões e cosmovisões que oprimem toda e qualquer figura feminina. Da mesma forma, todo o planejamento e crimes realizados por Judith são absurdamente “perfeitos” para uma iniciante. É impossível acreditar que uma mulher cuja personalidade, passado e intelecto mal conhecemos, que nunca imaginou seguir para o caminho que segue nesta obra, fosse capaz de executar, sozinha, as ações que realiza aqui. Mas, para fechar com chave de ouro, encontramos uma porção de cenas “hot” que em nada acrescentam a narrativa, fazendo com que o leitor se questione a todo o momento, qual é, verdadeiramente, a razão de ser deste livro.
Com uma protagonista rasa, uma narrativa confusa e sem objetivos definidos, em meio a uma profusão de acontecimentos que facilitam o direcionamento e superação dos obstáculos impostos à personagem, esta obra não passa de uma mistura de gêneros e elementos literários que, na ânsia por estabelecer-se, perde todas as potencialidades de uma história que tinha tudo para dar certo.

  • Maestra
  • Autor: L.S. Hilton
  • Tradução: Júlio De Andrade Filho
  • Ano: 2016
  • Editora: Fábrica 231
  • Páginas: 319
  • Amazon

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