Num futuro não muito distante já é possível prolongar a juventude, assim, quem conhecemos hoje como idosos, desfrutam de corpos aparentemente jovens, quando na realidade já podem possuir mais de 80 anos. A ideia é inovadora e tentadora, não há como negar. Porém a Biogeno, a corporação por trás desta revolução, acabou dividindo a sociedade entre aqueles que conseguem pagar pelo tratamento e aqueles que não.

Juntos, dois irmãos, Daniel e Mário, resolvem colocar um fim nesta obsessão coletiva que se formou na sociedade. Daniel trabalha na maior rede social do mundo, que, imperceptivelmente, influencia as atitudes e personalidades de seus usuários. Dentro dela, tudo é status e aparências. Tudo é medido para se obter um retorno. O Último Dia é narrado em primeira pessoa por Daniel e a narrativa se desloca entre o presente e o passado. Assim vamos traçando a relação dos dois irmãos, através de suas memórias, acompanhamos Daniel relembrando os melhores momentos durante suas infâncias, o relacionamento com a família e amigos. Já durante o presente, além do desenrolar de todo o plano, iremos entendendo o que leva eles a colocarem em risco suas próprias vidas em nome deste propósito.

O livro de Tiago Villela faz várias críticas ao que já existe hoje, elementos que regem nossa sociedade cegamente. Os padrões de beleza estabelecidos, a alienação das pessoas em meio as redes sociais, o vício em números, likes e aprovação. Tudo isso figura também a sociedade estabelecida em O Último Dia.

Além disso, há diversas reflexões sobre a relação do ser humano com a morte e a constituição de família. Por exemplo, sendo as pessoas sempre jovens, perde-se os sinais da velhice e das doenças. A ideia da Biogeno é mascarar o que nos torna velhos, mas não proporcionar a imortalidade, então pessoas acabam morrendo repentinamente sem qualquer aviso prévio. A morte das pessoas em atividades corriqueiras acabou virando algo comum, portanto, nem um pouco sentida. Mesmo que sutilmente, houve uma mudança social grande, onde valores e prioridades acabaram se invertendo, o que é muito interessante.

A premissa me lembrou muito um filme de 2011 chamado O Preço do Amanhã, nesta realidade a sociedade já atingiu a imortalidade, mas após completarem 25 anos precisam pagar por mais tempo de vida.  Sendo assim, o futuro de cada pessoa depende exclusivamente de sua classe social. Os mais ricos são quase que imortais, enquanto os pobres morrem jovens demais. A problemática, as questões sociais e até mesmo filosóficas se assemelham muito com o enredo que Villela criou, levantando questionamentos semelhantes e reflexões pertinentes que conversam muito com as nossas vidas atualmente.

Sendo uma premissa interessante, é importante dizer que por ser um livro curto, Tiago precisa fazer uma escolha dentro da narrativa. Se aprofundar mais nesta sociedade ou focar na relação dos irmãos e a forma como eles seguem colocando seus objetivos em prática. As duas formas acabam funcionando, mas somos apresentados a segunda opção e por isso adentramos tanto nas vidas desses dois personagens, na juventude problemática de Mário e na relação de Daniel com Hana, uma amiga de sua infância, mas que acaba se apresentando como uma grande incógnita no enredo para o leitor. O livro também sofre alguns cortes abruptos durante a narrativa, principalmente quando Daniel passa a relembrar o passado e volta para o presente. Acredito que um detalhe na diagramação do livro poderia resolver este problema, mas também é algo que após algumas páginas, você já se acostuma com o fluxo de consciência do personagem.
Se fosse um livro mais longo, noto que poderíamos ter mais detalhes desta sociedade e as transições não precisariam ser tão repentinas. Eu não sei se esta é a intenção do autor, mas acredito que O Último Dia deve contar com uma continuação. Ainda há grandes questões para serem exploradas e isso deve instigar muitos leitores que curtem uma trama mais dinâmica e cheia de conspirações. Provavelmente, fãs de Black Mirror também devem curtir esta leitura pois assim como a série televisiva, a história do livro de Tiago flerta muito com as consequências imprevistas das novas tecnologias.

De forma geral, O Último Dia é um livro muito bem escrito. Tiago Villela tem facilidade com as palavras e brinda o leitor com algumas frases de efeito e que cumprem seu papel de levar a reflexão. Gostei muito da premissa apresentada e foi uma pena que terminou tão rápido. Com certeza este é um autor para se ficar atenta, pois vejo muito potencial em seu livro. Aqui temos uma distopia nacional independente muito bem apresentada e que cativa por se provar tão interessante e conversar tanto com a sociedade moderna em que vivemos, recomendo.

  • O Último Dia
  • Autor: T. Villela
  • Ano: 2018
  • Editora: Independente
  • Páginas: 156
  • Amazon

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