O que seria da literatura se não fossem as crônicas tão maravilhosas escritas por mãos hábeis, que preenchem estantes e almas com belas e simples palavras? A primeira vez que eu li uma crônica, foi amor sem reservas. A natureza desses textos, que conseguem fazer mesmo o dia mais medíocre virar poesia, me enche de uma gratidão única.

Mas há algo sobre esse tipo de conteúdo que o torna único, a arte de fazer sentido mesmo que se tenha apenas um recorte do todo chamado vida. Eu sempre admirei a capacidade desses autores. Em algumas frases existe um infinito. E mesmo que não haja início, meio e fim, ainda existe aquela sensação de compreensão, aquela sensação de completude, como se não houvesse mais nada a ser dito depois do tão temido ponto final.  E essa introdução tão cheia de explicações, é apenas para dizer que apesar de ter gostado bastante do que encontrei nessa obra de Júlio Hermann, ainda resta em mim aquela frustração comum na falta de conexão entre leitor x livro.

Eu escrevo sobre você, mesmo quando escrevo sobre outras pessoas. Encaixo nossos “quase” para escrever as dores dos outros. Encaixo cada detalhe nosso nos momentos felizes que vomito por aí.

A beleza das crônicas está justamente nessa capacidade de falar sobre tudo e nada ao mesmo tempo, e ainda assim, fazer todo o sentido para quem lê. Eu amo quando é possível ler uma obra, e encontrar nela um amigo. Até onde o amor alcança, nos conta uma história. Porém o formato escolhido pelo autor para nos levar nessa trajetória, não valorizou o seu conteúdo tão rico em situações verdadeiras que envolve esse órgão chamado coração. Existe um personagem real em cada um dos textos, e esse eu oculto desabafa sobre as mágoas de um término nada convencional. Alguém viajou, alguém se distanciou enquanto conhecia outros, alguém deixou de amar uma segunda pessoa quando se encontrou em uma nova realidade. Porém não fica claro o que de fato aconteceu. E essa incerteza, não comum nas minhas amadas crônicas, foi responsável pela falta de profundidade na maioria das páginas.

Em algum momento entre fevereiro e abril, você me amou mais.  Provavelmente no carnaval, quando a gente fez folia em casa, na frente do televisor. Você não perdeu o carinho por mim, e eu perdi menos ainda em relação a você. No entanto, passamos a nos querer menos. Talvez o fim do amor seja justamente isso.

Em outros pontos, parece que a alma do autor se derrama em uma espécie de carta de arrependimento. Sigo curiosa, mesmo após ler e reler alguns trechos. Afinal, o que havia para ser perdoado? Não houve subjetividade o suficiente para que pudéssemos nos distanciar desse enredo, porque sim, existe um enredo, e enxergar a nós mesmos naqueles sentimentos. E apesar de acreditar que nós leitores temos tantas fases quanto a lua, e que alguns livros seriam melhores caso fossem lidos em outro momento, na boa crônica isso não se aplica. É ler e sofrer de amor mesmo estando apaixonado, é chorar pelo término mesmo tendo iniciado um novo romance, é sorrir com um recomeço mesmo tendo o coração partido em um milhão de pedaços. E esse é o grande poder da literatura. Nos fazer viver uma realidade tão distante de nós e ainda assim nos tocar como se fossemos os protagonistas daquela aventura. Eu senti falta justamente desse envolvimento. As palavras bonitas utilizadas por Júlio, são apenas palavras bonitas. As frases cheias de dor e ressentimento causam estranheza. O novo amor não emociona.

O ponto focal da minha bússola mudou de direção depois de você. Não existe mais norte geográfico se ele não for o mesmo caminho que leva para a sua casa.

É fato que nosso autor sabe escrever, é fato que ele é talentoso o bastante para ter um segundo livro lançado por uma casa editorial tão maravilhosa quanto a Faro Editorial, mas eu ainda estou tentando entender o que foi esse livro. É como se os textos fossem de certa forma conectados em suas muitas idas e vindas, mas falta a continuidade. O que aconteceu entre o ponto final de um texto, e primeiro parágrafo do próximo?

Acontece que o conteúdo exige essas respostas e por isso se torna uma leitura frustrante em alguns aspectos. Mas então, quando menos se espera, a mágica acontece, e é disso que estou falando desde o início. Sabe aquelas malditas e perfeitas frases que você quer tatuar na pele e na alma porque de certa forma representam você de uma forma única, como se o Júlio Hermann estivesse diretamente conectado com seu cérebro e coração? Elas existem sim. Mas foram tão poucas. Foram migalhas perto do que poderia ter sido. Prazo apertado? Fase ruim? Digam o que quiser, mas eu senti que conheci o autor ali naqueles pedacinhos de sinceridade. Ele não quis impressionar, não quis usar aquelas palavras para reconquistar uma ex ou conquistar uma nova garota, mas verdadeiramente mostrou que é capaz de encantar. O mais engraçado é que meu trechos favoritos foram os menores, aqueles que poderia parecer incompletos para outros, mas que para mim foram imensos de significados.

Eu gostei do que li, mas queria ter me apaixonado. Há uma melancolia, mesmo nos momentos felizes, que não deixam transparecer credibilidade. Não é possível saber se o personagem dos textos, esse tão falado “eu”, é o próprio autor. Mas se for, cara… seu coração está muito ferrado. Recomeçar já esperando o fim não é nada saudável. Normalmente os novos inícios sempre são carregados de uma expectativa gostosa, mas aqui vemos alguém sofrendo desesperadamente, tentando preencher um coração quebrado com um novo amor. É como se ele estivesse se afogando, e precisasse desse novo alguém para ser sua boia no mar da comiseração e da saudade.

Ninguém nos avisa que amar faz a pele arder e o peito dilatar em agonia, quer as coisas deem certo, quer não. Contos de fada não duram muitos dias na vida real; amor é o que sobra ou se vai quando eles terminam. Será que o nosso conto acabou e o amor foi maior que o resto ou será que estamos perto de acabar?

Até onde o amor alcança fala de finais dolorosos, recomeços lentos, saudade infinita e incertezas carregadas de desilusão. As partes que conseguiram alcançar o seu objetivo e me tocar como leitora, também trazem esse sentimento, mas de certa forma são sutis e delicados, pois não precisamos de mais certezas tristes e negativa na vida.  Termino a leitura com um sentimento agridoce, tal qual essa minha resenha. Muitas linhas boas, porém poucas realmente excelentes. Eu sei que há tanto para conhecer de Júlio Hermann, sei que há muito mais dele do que esse livro mostrou; e sinceramente, quero ser a primeira a comprar seu próximo lançamento e ver do que mais ele é capaz.

  • Até onde o amor alcança
  • Autor: Júlio Hermann
  • Ano: 2019
  • Editora: Faro Editorial
  • Páginas: 176
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