Esse é um grande marco para o cinema coreano. É a primeira vez que um filme dessa nacionalidade concorre ao Oscar de Melhor Filme. O longa, do diretor Bong Joon-ho, disputa o grande prêmio da noite ao lado de nomes fortes e já conhecidos da academia, tais como Quentin Tarantino e Martin Scorsese. Nos resta saber se Parasita tem o apelo necessário para levar a estatueta pra casa. O enredo, que brinca com os extremismos de uma realidade devastadora que é a desigualdade social existente na Coréia do Sul, é visceral, inquietante e perturbador. O diretor abusou com grande maestria da sordidez humana e apresentou um retrato cruel, porém verdadeiro, das relações conturbadas que o indivíduo mantém com a sociedade na qual está inserido.

Ki-taek está em idade universitária, porém não possui os meios financeiros necessários para iniciar os estudos. O mesmo ocorre com a irmã, que apesar de extremamente inteligente, não tem as oportunidades certas para correr atrás dos próprios sonhos. Os irmãos dividem um porão sujo e apertado com os pais, que também estão desempregados. Quando uma oportunidade de emprego coloca Ki-taek frente a frente com a família Park, o jovem vê ali um mundo inteiro de possibilidades. Munido de um plano aparentemente inofensivo, o rapaz está disposto a inserir os familiares, um a um, nessa nova e luxuosa realidade.


Eu demorei para digerir esse filme. E confesso que ainda está difícil de lidar com a força dessa história. O enredo é desconcertante e me tirou totalmente da zona de conforto, mas também fez refletir e talvez esteja justamente aí o motivo de Parasita ter agradado tanto aos críticos. O primeiro ponto que eu gostaria de abordar nesse texto, é a maneira como Bong Joon-ho insere seus personagens na trama. Quando Ki-taek e os pais nos são apresentados, conhecemos ali pessoas simples e de origem humilde, que lutam bravamente para sobreviver. O caos das primeiras cenas, a pobreza retratada em cada detalhes, desde o porão encardido onde eles vivem, até as roupas penduradas dentro de casa, nos fazem criar certa empatia e até mesmo apreço por aqueles ali retratados.

Na sequência, quando um amigo de Ki-taek aparece ofertando uma vaga de emprego, o rapaz vê ali uma oportunidade de finalmente sair da miséria e quem sabe ajudar os pais. Sabendo que sua situação financeira e social não é o bastante para alcançar prestígio perante a família Park, Ki-taek pede ajuda da irmã que parece ter um talento nato para a falsificação e através de meios escusos, finalmente consegue a vaga de professor de inglês. A verdade é que apesar de totalmente antiético, os fins parecem justificar os meios e é possível até mesmo sentir satisfação por essa pequena vitória. Os Parks são ricos, ricos o suficiente para não serem grandemente prejudicados por esse rapaz que quer apenas uma chance. No entanto, nunca considerei Robin Hood um herói, e roubar dos ricos para dar aos pobres continua sendo crime, não importando o motivo, e talvez por isso minha relação com o filme tenha sido tão agridoce.

O rico não tem culpa de ser rico, e o pobre não tem culpa de ser pobre. Então não há mocinhos ou vilões nessa história. As pessoas foram retratadas com certo exagero em suas emoções, no entanto ainda está ali o cerne real do que é o ser humano. Cito aqui o livro que estou lendo atualmente, pois acredito que caiba bem no contexto. “Como disse J. G. Ballard, a civilização não passa de uma fina e frágil camada de verniz que recobre a lei da selva: antes você do eu.” Enquanto a família Park usufrui de todo o conforto que o dinheiro pode comprar, a família de Ki-taek comemora se tiver o que comer na mesa quando chega o final do dia. Então quando um a um, a irmã, o pai e a mãe de Ki-taek começam a trabalhar na residência dos Park, você até chega a pensar que a balança está se equilibrando na lei da vida.

O problema é que os meios pelo qual o tão almejado lugar ao sol é conquistado, não sejam tão inofensivos quanto se pensava a princípio, e aqui se encaixa bem a citação acima colocada. Nesse ponto da trama, fica óbvio os motivos que levaram o longa a ganhar esse título. Tal como um parasita que apenas vive de outro organismo e dele se alimenta e muitas vezes lhe traz dano, assim é a família de Ki-taek em relação à família Park. A casa, onde ocorre grande parte das cenas, é quase um personagem, tamanho é seu significado para o enredo. Ela é um símbolo de sucesso, de realização profissional e de felicidade. Em comparação ao diminuto e sujo porão mostrado nos primeiros minutos, a residência luxuosa é um marco para o abismo social existente entre as duas realidades. Porém, apesar de tão desejada, ainda é capaz de abrigar segredos sombrios e inimagináveis, mostrando que nem sempre o que reluz é ouro e que o mal pode estar mais perto do que a gente espera.

Do meio pro final o filme vai por um caminho assustador. A violência não se limita apenas aos simbolismos do início, e o tom que antes ere leve, se torna pesado, sufocante e desesperador. Uma conversa entre a família de Ki-taek em um momento de distração, questiona sobre a gentileza e a ingenuidade da família Park. Se eles são assim por serem ricos, ou se tornaram ricos por serem gentis. Apesar do tom descontraído, não há deboche, é quase como se houvesse ali uma relação silenciosa de gratidão, mostrando que quem faz o mal, nem sempre quer ver o outro na pior, apenas quer se ver numa situação mais favorável. E esse é o gancho para a segunda parte da trama.

O que estamos disposto a fazer para manter certos benefícios e oportunidades? Como já dito anteriormente, a história não possui vilões, e ao meu ver, todos ali, incluindo a família Park, são vítimas de uma estrutura social desigual e bastante injusta. O filme é todo em si uma grande crítica. O final deixa claro que ninguém está livre das consequências desse mal que faz parte da sociedade. Parasita é simplesmente genial e deveria levar o prêmio nem que fosse pela coragem de mostrar algo tão atroz com tanta sinceridade.

  • Gisaengchung
  • Lançamento: 2019
  • Com: Song Kang-Ho, Woo-sik Choi, Park So-Dam
  • Gênero: Suspense
  • Direção: Bong Joon Ho

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