Meu carinho pela mente crítica de Aldous Huxley é conhecido de muitos leitores. Venho comentando a obra do escritor desde a inusitada e verdadeiramente desafiante experiência de leitura com o livro A Ilha, último texto redigido por suas mãos antes de nos deixar em 1963. Após concluir seis leituras e me surpreender positivamente com cada página virada e cada capítulo finalizado, percebo que a versatilidade e curiosidade inerente do autor perante uma infinidade de temáticas possibilitaram a construção, não somente de histórias de ficção e romances, mas também ensaios, análise comparativa de textos religiosos, relatos de experiência com substâncias alucinógenas, além da apresentação de palestras em renomadas universidades.

Nesse sentido, Aldous Huxley demonstrava seguir o caminho tão defendido por teóricos e pesquisadores contemporâneos. Não se limitando a hiperespecialização do campo cientifico ou literário ele mostrou-se capaz de interligar saberes, consolidar sua consciência crítica e nos presentear com livros que seguem desde a mais desalentadora distopia até um aprofundamento em supostos casos de possessão demoníaca!

“Em nenhum período da história a inteligência foi tão bem estimada ou treinada, amplamente e com grande eficácia em certas direções, como no presente. E nenhuma outra época teve tão pouca estima pela visão intelectual e pela espiritualidade, nem pelo Fim para o qual elas são meios imediatos, muito menos foi ele ampla e francamente procurado. ”

Foi graças ao seu interesse pelo inusitadamente diversificado, por abordagens dificilmente observadas no campo científico e acadêmico e por sua reflexiva rebeldia que o escritor construiu A Filosofia Perene, livro que integra harmoniosamente uma análise comparativa de textos sagrados pertencentes às principais religiões orientais e ocidentais, questionamentos essenciais para o ser enquanto ser humano e uma pesquisa aprofundada naqueles que seriam os fundamentos da filosofia perene.

A Filosofia Perene, enquanto teoria filosófica do conhecimento, relata a existência de intersecções perceptíveis não apenas entre os princípios fundamentais das religiões humanas, mas também entre os saberes provenientes de todo e qualquer período histórico que, por motivos que me são ignorados, demonstram uma espécie de saber essencial do qual todo pensamento humano seria proveniente. Nesse sentido, o texto de Aldous Huxley apresenta-se de maneira encantadoramente explicativa, possibilitando o contato do leitor com trechos de obras que, provavelmente, permaneceriam distantes de seu círculo de leituras. Dispostos em sequência e elucidados por um escritor que, embora crítico e questionador, em momento algum desrespeita autores e religiosidades, os ensinamentos cristãos, hindus, budistas ou islâmicos evidenciam uma proximidade essencial na mesma medida em que revelam os pontos de ruptura entre os saberes humanos, os preceitos da filosofia perene e os caminhos para a constituição de um ser enquanto ser individual pertencente a uma comunidade global.

É neste aspecto do livro que, aos olhos desta humilde e reflexiva leitora, Aldous Huxley acerta! Demonstrando o quanto a espiritualidade – aqui expressamente livre de cargas religiosas tendenciosas – necessita interligar-se aos âmbitos sociais, culturais, políticos, econômicos, científicos e ambientais da vida humana para que, em equilíbrio, não somente construa uma realidade harmônica, mas para que alguns dos principais desafios e consequências negativas da atualidade transformem-se em passado devidamente superado.

Seguindo por esta linha de raciocínio, A Filosofia Perene direciona o leitor por entre reflexões que formulam cenários holísticos – no âmbito da estruturação de conexões entre realidade e vivências interiores e realidade e contextos exteriores – oportunizando, àqueles cujas tendências críticas e espirituais aproximam-se das ideias do texto, o encontro com perspectivas que, não apenas aprimoram suas estruturas mentais e posicionamento de mundo, como também descortinam elementos pouco evidenciados por suas meditações. Deste modo, o livro se apresenta como uma verdadeira jornada filosófica espiritual, carregando os sabres e ensinamentos fundamentais da mentalidade religiosa humana e expressando, direta ou indiretamente, a veracidade deste saber essencial.

E, neste ponto de meus comentários sobre A Filosofia Perene, vale ressaltar que este não se trata de um livro sobre religiosidade, mas sim de uma reflexão filosófica acerca dos fundamentos essenciais do conhecimento humano que, a fim de alcançar seus objetivos, perpassa o campo das religiões orientais e ocidentais com o intuito de defender e provar uma tese. Portanto, leitores cristãos, islâmicos, hinduístas ou budistas, caso se disponham a acompanhar as mensagens e questionamentos delineados pelo livro, observarão a atmosfera ideal para reafirmar suas crenças na mesma medida em que reinterpretam as nuances constitucionais da realidade que os cercam. Como destaquei inicialmente, o texto inter-relaciona diferentes direcionamentos e interliga diversificadas perspectivas, funcionando em várias frentes e, consequentemente, servindo como isto ou aquilo conforme as expectativas e intenções de cada leitor.

Por fim, considero importante lembrar que, apesar da temática verdadeiramente interessante e aprofundada, dos trechos e ensinamentos pertencentes às principais religiões humanas e dos questionamentos e reflexões críticas – assinatura de Aldous Huxley – estamos abordando uma obra filosófica que, como tal, expressa pensamentos peculiares, carregados de exercícios mentais que, considerando as habilidades de cada leitor e nunca os definindo como empecilho de leitura, podem sim expressar um desafio! A escrita é gostosa, dinâmica, fascinante e carregadíssima de lições e mensagens, correlações entre espiritualidade e problemas contemporâneos, críticas e questionamentos ao mundo – e aqui retomo seus fundamentos espirituais, sociais, políticos, culturais, econômicos e ambientais – mas também se trata de uma escrita, e consequente leitura, de ritmo reduzido. Com certeza será proveitosa, possivelmente transformadora, incontestavelmente única… mas, para que se descubram todas as suas características e vastidão… somente virando a primeira página!

A Filosofia Perene, escrita por Aldous Huxley ao longo de sua estadia em Hollywood e, no mesmo período em que os horrores da Segunda Guerra Mundial assombravam a comunidade humana global, se materializa em meu coração como um presente do passado, um afago para a alma, um exercício de voltar-se para dentro na mesma medida em que se volta para fora! O livro, definitivamente, não é apenas outra leitura de um escritor que muito admiro, mas uma indicação pertinente para transformarmos nossa essência e, se possível, fortalecermos nossa consciência crítica de maneira holística. Ele expressa verdades e saberes que necessitamos relembrar, assim, meu texto não deseja nada além de promover um chamado para a recordação.

  • The Perennial Philosophy
  • Autor: Aldous Huxley
  • Tradução: Adriano Scandolara
  • Ano: 2020
  • Editora: Biblioteca Azul
  • Páginas: 496
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