Eu vou precisar começar essa resenha de uma forma diferente; assim como o livro O Teste de Casamento se mostrou para mim, tornando as minhas emoções uma confusão. Primeiro ressaltando que eu gostei muito do livro, e não pelo romance em si, e sim pelo enredo que temos nas entrelinhas, como pano de fundo.

E com isso, quero dizer que o livro tem sim problemas, que sua camada mais superficial é morna, mas que quando olhamos para as camadas mais profundas da história o enredo se torna emocionante e cheio de representatividade. Outro ponto ainda a ser levedo em consideração, é que o protagonista é autista, e desde já me desculpo se em minhas colocações eu usar algum termo, ou fala errada.

“(…) A maioria da sua família, porém, desdenhava do diagnostico, dizendo que ele era apenas “um pouco estranho”. Não existiam coisas como autismo ou síndrome de Asperger nos vilarejos rurais do Vietnã. Além disso, ele não se metia em confusão e ia bem na escola. Que diferença aquilo fazia?”

My é uma jovem vietnamita, ela vem de uma família extremamente pobre e trabalha arduamente pelo sustento/sobrevivência deles. Seu emprego é cansativo, mas é a única fonte de renda que ela possui para criar sua filha e pagar as contas da minúscula casa que ela divide com a mãe e a avó.

Apesar de sonhar com um futuro melhor, ela não tem conseguido nutrir muitas esperanças, principalmente por não ter tido nem a oportunidade de terminar a escola. Até que o inesperado acontece, My recebe uma proposta inusitada, uma senhora desconhecida, quer que ela vá para os Estados Unidos, conhecer o seu filho e tentar conquista-lo, para que ele se apaixone e se case com ela, isso tudo até o final do verão, ou seja, em três meses, algo que My nega imediatamente, porém incentivada por sua família, e se agarrando a oportunidade de poder oferecer mais para sua filha, ela ainda que relutante, aceita.

Na intenção de parecer ser mais do que é, de transmitir uma identidade mais requintada, My ela acaba fazendo algumas escolhas, como por exemplo suas roupas, a tentativa de controlar seus modos, inventando uma profissão e até mesmo trocando seu nome, nos EUA, ela será Esmeralda.

Khai está confortável em sua rotina, feliz no seu trabalho, e levando as coisas no seu próprio ritmo, da forma como ele acredita ser perfeito para ele; simples, leve e sem complicações. Até que sua mãe invade a sua casa com uma grande quantidade de frutas, garantindo que encontrou a mulher ideal para ele. Uma ideia absurda, já que Khai sabe perfeitamente que é incapaz de amar. E não, ele não está sendo dramático, ou querendo chamar atenção com tal afirmação, Khai realmente acredita nisso, e até possui evidências que podem provar sua apatia e falta de sentimentos.

O problema é que as pessoas a sua volta não se dão conta disto, e insistem que está mais do que na hora dele ter um relacionamento. O que nos leva ao fato dele não conseguir desestimular a sua mãe e mais rápido do que se quer imaginou, tem uma estranha de sorriso fácil em seu carro, a caminho da sua casa… o que provavelmente vai dar muito errado, ou não.

“Tão linda. E bem ali. Tinha ido procurá-lo de novo. Ninguém nunca o procurava. Todos presumiam que ele queria ficar sozinho. Só que nem sempre era assim. Às vezes ficava sozinho por força do hábito. Às vezes precisava fazer um grande esforço para se distrair do vazio cada vez maior que sentia por dentro.”

O Teste de Casamento, traz um clichê muito amado por essa leitora que vos escreve, o casamento por conveniência, relações que acabam precisando se desdobrar no escuro em nome de um bem maior, só que para minha surpresa esse detalhe que tanto amo, ficou em segundo plano.

Então vamos por partes, primeiro os personagens; Khai é um homem inteligente, muito bonito, autista e com marcas mais profundas do que ele se quer é capaz de perceber, e isso dita muito na forma como ele lida com suas emoções e as pessoas a sua volta.

Em contrapartida, temos My/Esme, uma jovem do Vietnã, que experimentou a extrema pobreza sua vida toda, dona um sorriso doce, solto, determinação ferrenha e pasmem… muito otimismo. Ela é esforçada, quer muito mudar a história da sua família e foi somente por esse motivo que aceitou entrar nessa loucura de teste de casamento, e acabar se apaixonando foi apenas um bônus, o problema foi amar um homem que se considera incapaz de retribuir.

O relacionamento deles, seja se conhecendo, a parca amizade que desenvolvem, até a atração, e o sentimento que floresce aos poucos, é cheio de altos e baixos, com diálogos que variam entre o divertido, interessante e um silêncio que reina por muito tempo… o que fez com que ele não se revelasse o ponto alto da história pra mim, ficando ali como algo que apenas precisava acontecer para fechar o enredo.

Mas, como eu disse no começo desta resenha, tem algo que grita e torna este livro mais do que ele aparenta ser, e é sobre isto que vamos conversar agora. O livro nos apresenta um personagem com TEATranstorno do Espectro Autista, lidando com o luto, e o que vamos acompanhar ao longo da história, é como este fato impactou a forma como ele se enxerga, se percebe e recebe – em um sentindo amplo da palavra, do que realmente lhe é oferecido -, das pessoas a sua volta (vou torcer para ter me feito entender).

Aqui nos conseguimos estar dentro de sua mente, diante de todos os conflitos internos, entre o que ele sente e o que ele acha que deveria sentir, seus medos, inseguranças, desejos e claro, muitos receios, e foi por vezes angustiante. Eu sentia como se ninguém fosse capaz de compreendê-lo, nem ele mesmo, mais que isso, eu me incomodava, porque parecia que ninguém realmente se esforçava para tentar perceber ou notar o porquê de ele agir como agia, o que sempre o colocava ainda mais numa posição vulnerável e sozinho. E com isso, fiquei me questionando se não seria o caso dele ter uma ajuda profissional, ou de sua própria família, que estivesse ali por ele, porque realmente existe muitas coisas que ele não compreende, não entende e não sabe como lidar.

“Esme abriu a boca, mas não disse nada. Entendia o significado individual das palavras, mas estava chocada demais para interpretar o conjunto do que estava sendo dito. Ela entendia de fracassos e sacrifícios para conseguir as coisas. Mas uma generosidade como aquela estava além de sua compreensão.”

Outro ponto que ainda quero trazer e que também é um ponto positivo, é a própria My e sua história, ela vem de um país pobre, sentiu na pela a miséria, e ainda assim mantém seu otimismo e sede por mudança, ela é dona de uma luz contagiante, e ainda assim, ela precisa lidar com as dificuldades de ser uma “estrangeira”, uma “imigrante”. Ela até vai para os EUA em busca de um casamento que inicialmente parece ser a única forma dela conseguir mudar de vida, entretanto, ela não se resume a isso. Sua força, sua determinação, seu esforço é o que realmente se destaca. Ela vai vencer, por seu mérito, quando ela entende que ser ela, basta.

Aí você, me pergunta, com tantos pontos positivos e marcantes, o que faltou? E já quero reforçar que esta é minha experiência de leitura e a sua pode sim ser diferente. Para mim faltou desenvolvimento, o final é corrido e pouco convincente. Eu amo o Khai, e a Esme, e acho que eles separados são duas forças da natureza, e apesar de sentir que eles possuem química, que possam ter sentimentos um pelo outro… faltou, ficou morno, não teve conversas importantes, faltou diálogo, entendimento do que eram, do que sentiam, do que despertavam, e até do que esperavam um do outro, e não só uma aceitação “cega” como acabou transparecendo. Outro detalhe incomodo, foi o próprio segredo de Esme, ela fica o livro todo pensando em revelar, e esse momento nunca chega e quando chega, é uma frase… poderia ter explorado, rendido pelo menos um cena inteira.

Enfim… O romance em si é superficial, fraco, e se não fosse pelo peso de todo contexto, do pano de fundo, e as histórias individuais dos personagens, o enredo seria chato e quase surreal.

“Para onde se pode ir quando não se tem lugar no mundo?”

Para finalizar, eu quero dizer o quanto eu gosto da autora Helen Hoang, e como ela conta suas histórias se utilizando de suas próprias vivencias e experiências, trazendo muito da sua própria história para as páginas dos livros. Ela é portadora do TEA e deixou uma nota linda ao final do livro, leiam. Leiam o primeiro livro da autora Os Números do Amor, que é maravilhoso e leiam O Teste de Casamento, também, pois vale a pena.

E aproveito também, para deixar um carinho aos personagens secundários – são eles que trazem a melhor cena, o melhor diálogo de toda a história -, em especial ao Quan, que eu estou torcendo muito para que ganhe um livro todinho seu, pois preciso.

Avaliação: 3 de 5.

  • The Bride Test
  • Autor: Helen Hoang
  • Tradução: Alexandre Boide
  • Ano: 2022
  • Editora: Paralela
  • Páginas: 280
  • Amazon

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