Os Banshees de Inisherin – Crítica

11 mar, 2023 Por Viviane Papis

Na pacata ilha de Inisherin, na Irlanda da década de 1920, dois velhos amigos se encontram rotineiramente para compartilhar de um pint de cerveja na única taverna da região. Essa tradição se estende desde que os aldeões conseguem se lembrar. Em um dia sereno, um dos amigos se dirige à estalagem para cumprir o ritual diário, apenas para ter suas expectativas frustradas. O mais velho dos amigos decidiu romper a rotina e a amizade para sempre, para a surpresa de todos, dando início a uma série de conflitos e crises que a pequena ilha jamais viu.

Pádraic Súilleabháin (Colin Farrell), o mais novo dessa incomum amizade, é visto pelos aldeões como uma alma gentil e simplória, um tipo que não espera muito da vida e se contenta com o pouco que tem. Já para Colm Doherty (Brendan Gleeson), a vida não é tão simples e, para ele, esse contentamento é fonte de uma profunda crise existencial. Para Colm, a simplicidade de Pádraic é fonte de grande ansiedade, um sinal de uma vida não aproveitada, de músicas que ele não pode compor e tocar em seu pequeno violino. Colm está convencido de que tem apenas 12 anos de vida e pretende vivê-los o mais intensamente possível, o que significa então cortar as relações com Pádraic sem nem mesmo dar-lhe explicação.

Com um enredo tão singelo e claro, não imaginava que a narrativa me levaria a uma jornada de intensa conexão com os personagens e seus diferentes papéis na ilha. Cada aldeão tem um papel muito único e central no decorrer do conflito entre Pádraic e Colm, em especial Siobhán (Kerry Condon), amável irmã de Pádraic, e Dominic (Barry Keoghan), o delinquente da vila, que se colocam ao lado de Pádraic e tentam animá-lo para respeitar a decisão de Colm e seguir com sua vida separadamente. No entanto, Pádraic está destinado a entender as razões do antigo amigo e insistir para reparar o antigo laço que lhe é tão importante. Com o passar dos dias, fica claro ao espectador que a insistência de Pádraic em resgatar essa amizade causa maiores consequências que apenas se resignar que a vida pacata em Inisherin mudou profundamente.

Os Banshees de Inisherin é uma reflexão profunda sobre o valor humano, liberdade, escolhas e, mais importante, os sacrifícios que estamos dispostos a fazer para seguir nossos ideais. Com o pano de fundo da guerra separatista irlandesa, os dramas de uma pequena vila se tornam tão relevantes para a vida dos aldeãos (ou mesmo dos moradores de outras cidades) que a guerra passa a ser um pequeno estorvo no pano de fundo da ilhota.

A história de uma amizade interrompida se torna então um mergulho na subjetividade de personagens tão distintas e das formas como elas experienciam a simplicidade e a rotineira vida que Inisherin proporciona a todos. Para Pádraic, manter seu burrinho e seu trabalho e viver na mesma casa de seus pais é uma vida honrosa, uma forma de fazer sua presença ser notada, ao compartilhar a rotina com a irmã que tanto adora. Mas para Colm, a vida terrena não é mais suficiente, e com a finitude à sua porta, deseja então se fazer eterno através da música. Para alcançar esse fim, lhe parece cabível romper com Pádraic e ameaçar cortar seus dedos caso o ultimato não seja suficiente para afastá-lo.

A beleza de “Os Banshees” está em mesclar assuntos tão humanos e sensível através da lente da tragicomédia com um sotaque irlandes. O cenário repleto do verde da costa da Irlanda não impede que nos empatizamos e adentramos essa narrativa com imensa curiosidade e familiaridade com os dramas retratados. Assim, exploramos Inisherin a partir de Pádraic, mas a história não se limita à sua perspectiva e podemos então navegar pelas diferentes motivações e desejos em permanecer ou não na ilhota, e os conflitos que surgem diante deles.

Devo admitir que para um belíssimo trabalho de roteiro e direção, Os Banshees de Inisherin é a adição mais irreverente ao prêmio de Melhor Filme do Oscar 2023, ainda que esteja conquistando diversos fãs ao redor do mundo. Desde sua estreia no Festival de Veneza de 2022, Farrell e Gleeson são ovacionados pelos personagens e pela dinâmica que construíram na telona, e a maestria do diretor, Martin McDonagh, é comparável aos diversos outros concorrentes, ainda que mais populares no momento. O filme é uma obra imperdível e surpreende a cada momento pela delicadeza e ingenuidade na narrativa.

Avaliação: 4 de 5.

  • The Banshees of Inisherin
  • Lançamento: 2022
  • Com: Colin Farrel, Brandon Gleeson, Kerry Condon, Barry Keoghan
  • Gênero: Comédia Dramática
  • Direção: Martin McDonagh

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