Nesse retrato do futuro, o governo mantém uma vigilância constante sobre as mulheres, principalmente sobre as mães. Elas precisam ser mães perfeitas, de acordo com as normas do Estado. Frida Liu tem uma filha pequena, Harriet. Ela divide a guarda da menina com o pai, mas mesmo assim, ela conduz sozinha seus momentos em casa com a filha. Por isso, nos dias da semana que fica com a filha, ela trabalha em casa.

E foi justamente em um desses momentos, que Frida tem uma crise e sai de casa, deixando Harriet sozinha por duas horas. Os vizinhos escutam a menina chorar e chamam a instituição responsável. É por causa disso que Frida vai ser julgada e sentenciada como culpada de abandono. Por isso, ela precisará cumprir um período na Escola de Boas Mães, uma instituição correcional, que ensina as mulheres a como serem boas mães. 

Esse livro mexeu comigo. E o mais louco é que eu não vi isso acontecer, até que, em determinado momento, me vejo indignada com os acontecimentos da trama. Eu gosto muito e sempre fico envolvida com livros que abordam questões da maternidade, mas esse livro me pegou de uma maneira diferente. Ao trabalhar a perfeição materna, o livro mexe num ponto crucial da maternidade: o ideal da boa mãe.

O fato da autora trabalhar esses pontos através de uma distopia é perfeito. Eu achei muito interessante o fato de ter um órgão regulador, claro já que, na realidade, já temos o conselho tutelar, mas aqui isso se dá de forma mais intensa e a fiscalização é maior. Por coincidência, Frida foi mãe e teve um momento de fragilidade, logo quando esse órgão está implementando um novo sistema, uma escola que ensina os pais a serem bons pais. Isso por si só já é uma ideia bem bizarra.

Na realidade, muitas mães e pais sentem necessidade de se preparar antes de terem um filho, olham programas, consultam médicos, leem livros. Na teoria tudo é lindo, já na prática é outra história. Então o fato de existir uma escola que ensina não é estranho, mas sim a ideia de julgamento e punição com base num ideal de perfeição e de certo e errado. 

Tudo que, de certa forma, prejudica uma criança é motivo para que a mãe entre na escola. No período de um ano, ela deve aprender as lições da maternidade e passar por avaliações. Há uma vigilância constante e as regras são rígidas. Há um modelo de mãe perfeita e todas devem seguir. O mais louco de tudo é que cada mãe recebe uma boneca, que será a representação de seu/sua filho/filha. Assim, elas devem tratar as bonecas como tratam seus filhos, e o comportamento da boneca em relação a isso também vai ser avaliado. Isso é bizarro, pois fazer uma ligação sentimental com uma boneca me parece complicadíssimo. 

Além de tudo isso, tem o fato da protagonista estar longe da filha e precisar se contentar com migalhas: algumas ligações, cartinhas e vídeos chamadas. E esse contato também está sendo avaliado. Assim, se uma das professoras achar que não está sendo positivo esse movimento, elas cortam isso também.

Muitas mulheres passam um ano juntas, e é claro que muitas coisas acontecem. Principalmente o surgimento de relações amorosas, o que é extremamente proibido. Essas mulheres estão sozinhas, sofrendo e sendo julgadas, o sentimento de solidão e a carência nesse contexto é grande, então não há como fugir de conexões com outras mulheres. Parece que na verdade a escola tem como objetivo prejudicar as mães e não ajudá-las. Quando uma escola voltada para os pais entra na jogada, fica evidente também o comportamento sexista dos orientadores com essas mulheres. 

Um ponto muito interessante e que mexe muito com quem está lendo A Escola de Boas Mães é o sentimento de culpa que fica evidente em algumas mães. Aqui não existe um nível de certo e errado, tudo é tratado da mesma maneira. A mãe que esqueceu a filha e a mãe que batia no filho têm o mesmo tratamento. A partir do momento em que essas mães não são consideradas dentro do padrão de perfeição (mãe e pai perfeitos são aqueles que dedicam o máximo do seu tempo, que não desgrudam os olhos dos filhos e que possuem filhos “perfeitos”, pois obviamente uma criação perfeita transforma crianças perfeitas), elas devem aprender no mesmo nível, pois podem errar também em outra situação. 

Eu me vi muitas vezes comparando os meus comportamentos de mãe com o que era visto das outras mães da trama, mas principalmente do que era ensinado como uma maternidade adequada. Entendi Frida a cada gesto dela. Ela é uma mãe carinhosa, preocupada e ama muito sua filha. E isso fica claro o tempo todo. Mas num momento de burnout, ela teve um deslize. Eu até acho bem grave o que ela fez, mas entendo o que ela estava passando. A guarda de Harriet é compartilhada, e foi muito interessante ver como ela tinha essa troca legal com o pai da filha dela. A própria madrasta aqui é construída como alguém que também se importa com o que está acontecendo.

Mas o livro é meio lento e repetitivo em alguns momentos. Acho que acompanhar as mães durante um ano na escola foi um pouco cansativo, contudo eu reparei que foi isso que me ligou tanto a Frida. Mais para o final, eu já estava pensando no que eu faria como mãe naquela situação. Acho que meu pensamento é universal, pois a protagonista faz exatamente o que eu faria no lugar dela. 

A Escola de Boas Mães apresenta um final aberto, que acredito foi a melhor decisão da autora. Fiquei muito feliz com essa leitura, pois refleti sobre maternidade, julgamentos, cobranças, perfeição e, é claro, o papel da mulher na sociedade, que é sempre tão opressiva e controladora.

Avaliação: 4.5 de 5.

  • The School for Good Mothers
  • Autor: Jessamine Chan
  • Tradução: Fal Azevedo
  • Ano: 2022
  • Editora: Globo Livros
  • Páginas: 336
  • Amazon

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