Anna Sun, é uma violinista muito talentosa. Ela é capaz de tocar por horas ininterruptas, a música é uma parte importante sobre si, entretanto um vídeo seu tocando viralizou e essa exposição trouxe uma autocobrança, e uma “preocupação”, com nunca mais ser capaz de alcançar o esmero ali experimentado, como se as pessoas tivessem passado a esperar muito mais dela e com isso elevando o nível daquilo que ela precisa entregar, ou seja, agora ela sente que precisa ser PERFEITA o tempo todo.

A técnica está ali, mas falta algo e esse algo passou a ser inatingível, levando-a a praticar constantemente sem nunca alcançar o final, porque sempre que erra, ela retornar ao início e assim sucessivamente. Ela está à beira de ter um colapso, o cansaço, e a exaustão dando sinais claros, ainda que ela não os perceba do modo como deveria.

Para piorar, seu namorado Julian, tem uma nova ideia para o relacionamento deles, ele acredita que eles precisam abrir o relacionamento, “experimentar” novas situações, vivenciar outras experiências, obviamente uma tentativa clara que “trair” a jovem com autorização, antes de se comprometer de fato. E Anna… bem ela é incapaz de contrariar qualquer pessoa, como medo de fazer a coisa errada, de machucar o outro, e assim, ela apenas aceita, ainda que não concorde e não queira.

“Fico me perguntando se ela não está só fingindo, assim como eu. Quanto do que as pessoas dizem é sincero e quanto é só por educação? Existe alguém realmente vivendo ou estamos todos só lendo as falas de um roteiro infindável escrito pelos outros?”

É importante já fazer um adendo aqui. Anna é uma personagem que está vivendo uma confusão emocional muito grande, ela não consegue se sentir parte de nada, o mundo como um todo, ainda é complexo para ela, mesmo sendo uma mulher adulta. Ela possui uma pedra de estimação, duas melhores amigas que ela nunca viu pessoalmente, um relacionamento que claramente não a satisfaz, ou a deixa feliz, mas que traz comodidade e “segurança”, a única coisa que de fato ela ama é a música, o violino e ainda assim, tem encontrado dificuldades em tocar, pelo excesso de autocobrança e insegurança.

Anna carrega a pressão de ser perfeita, em atingir as expectativas dos outros, jamais contrariando, se impondo ou falando, ela é EXTREMAMENTE PASSIVA, em relação a tudo e a todos. E é no meio deste cenário que ela vai se descobrir dentro do espectro autista, já sendo uma adulta, e é aí que algumas coisas passam a fazer sentido para ela, não que isso vá ser fácil, simples e rápido, existem muitas outras questões que irão atropelá-la.

Magoada e querendo pagar na mesma moeda o que Julian está fazendo com ela, ela decide que irá ter vários encontros. Encontros esses onde ela não irá mentir, se omitir, ela quer tentar ser ela mesma, expor seu lado “feio”, aquele que não se importa em agradar, em se preocupar em machucar o outro, ou fazer algo que contrarie, ela vai ser sua própria prioridade.

Quando ela conhece Quan Diep, ele é a definição de inapropriado, um homem de aparência rustica, motoqueiro, todo tatuado, alguém com quem ela nunca se envolveria, e por isso ele é perfeito, ambos aparentemente estão à procura de sexo casual, uma noite e nada mais e… obviamente que falham. E falham no segundo e no terceiro… e por muitos encontros. E é um pequeno gosto peculiar em comum que irá colocá-los mais próximos, uma amizade improvável que irá evoluir a ponto de criar sentimentos mais intensos e difíceis de serem ignorados.

Quan já é conhecido por nós dos livros anteriores da autora, mas se você ainda não leu nenhum, não se preocupe, eles podem ser lidos de maneira independente. E aqui o encontramos, lidando com as cicatrizes de uma cirurgia em decorrência de um problema sério de saúde. E este problema acabou por afetar sua autoestima, sua confiança, minando um pouco do seu eu mais leve. E ele vem tentando recuperar isso, voltar a ter controle sobre sua vida amorosa, buscando a segurança de se envolver amorosamente e Anna, apesar de ser a antítese do que ele procuraria, tem se revelado exatamente o que ele precisa.

Com ela, ele sente que pode ser ele mesmo, o único problema é que existe uma data validade para tudo que eles estão vivendo. E ele pode não querer que ela chegue. É justamente quando parece estar caminhando bem, que uma tragédia vai atingir a família da Anna e então vamos nos deparar com uma nova problemática, que pode sim ameaçar o que ela Quan construíram até então.

Eu gostei muito desta leitura, O PRINCÍPIO DO CORAÇÃO, é uma leitura rápida, fluída, dividido em três partes – Antes, Durante e Depois. E aqui vamos ter algumas discussões bem interessantes. Anna é uma personagem complexa, inicialmente para mim foi muito fácil e assustador me identificar com ela, uma ânsia de querer agradar, uma necessidade de atender as expectativas, o medo de desapontar, de não ser o suficiente e como isso impacta no dia a dia, nas escolhas, na forma como se relaciona – e a identificação para aqui -, não demorou para que eu notasse que ela ultrapassava um limite, que graças a Deus, depois de apanhar muito eu aprendi, e ela não.

Anna atinge extremos, eu diria até que ela os extrapola, sua passividade vai incomodar, porque vai doer, vai irritar, vai tirar da zona de conforto, é difícil não querer sacudir, mostrar a ela que ela pode sim dar um basta. Não apenas em relação ao seu relacionamento com Julian, mas principalmente com sua família, que é muito tóxica. O relacionamento dela com a mãe e a irmã, é muito problemático, é desconfortável. Ela cresceu em um lar de opressão, cobrança, comparação, rigidez, o afeto é quase que inexistente, ou demonstrado de uma maneira muito deturpada, e quando você junta isto, com a descoberta do autismo, você passa a compreender e até mesmo aceitar melhor sua “personalidade”. E ainda tem toda a situação do pai dela…

“Só existe um lugar onde a perfeição de verdade existe — na página em branco. Nada do que eu sou capaz de fazer se compara ao potencial ilimitado do que eu poderia fazer. Mas, se eu permitir que o medo da imperfeição me prenda num ciclo perpétuo de recomeços, nunca mais vou criar nada. E nesse caso ainda poderia me considerar uma artista? Qual seria o meu propósito, então?”

Quan foi surpreendente em alguns aspectos, ele se revela um homem muito atencioso, carinhoso, generoso, compreensivo e paciente. A forma como ele vai construindo o relacionamento com a Anna, quebrando suas barreiras, a aceitando e incentivando ser quem ela é, oferecendo ser um porto seguro, um amparo, agindo como um parceiro, é muito bonito. Ele também está enfrentando uma recuperação, um processo de se redescobrir no próprio corpo, e essa fragilidade em um homem de aparência durona, todo tatuado, motoqueiro, é interessante, oferece um contraste muito humano.

Preciso pontuar que este livro não irá agradar a todos, principalmente para quem já é leitor da trilogia. De todos os livros da autora, este ganha um tom mais sóbrio, sério, com camadas verossímeis. O foco não é o romance, você não vai encontrar as muitas cenas hots, dos anteriores, o alto astral também não é algo presente, o tom da história beira o drama. Quan é um personagem que como falei anteriormente já vinha sendo apresentado e ele alimentava no leitor uma ideia bem diferente de enredo para ele do que foi apresentado aqui, o homem alto astral, sempre disposto a ajudar, ainda está presente, mas será que Anna foi a melhor escolha para ele? E mais que isso, ele está realmente ocupando um papel de protagonista, ou está apenas sendo um coadjuvante? E temos Anna… Anna que é uma personagem muito problemática, que se anula o tempo todo, que toma decisões erradas, tudo para não decepcionar, porque não sabe dizer não. O mais assustador é porque é real, é palpável, eu já conheci pessoas assim, ou pior, talvez eu já tenha sido assim. O romance é como um grande pano de fundo, em meio a um romance morno, e com temas sensíveis.

Mesmo com todos os apontamentos, eu posso dizer que a autora criou uma narrativa envolvente, destacando a jornada emocional desses personagens e a forma como encontram consolo e crescimento mútuo no meio de suas diferenças. “O Princípio do Coração” é uma história de superação, aceitação, sobre ser diferente, e a descoberta do verdadeiro significado do amor e da conexão humana.

Recomendo fortemente que você leia a nota da autora no final do livro, é um relato, é um abrir de coração e explica muito da história que terminamos de ler como um todo.

Avaliação: 3.5 de 5.

  • The Heart Principle
  • Autor: Helen Hoang
  • Tradução: Alexandre Boide
  • Ano: 2023
  • Editora: Paralela
  • Páginas: 304
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