Existe algo incrivelmente viciante na escrita da autora Freida McFadden, e observe que estou te falando das letras, da narrativa, da maneira como ela escolhe contar sua história, do tom usado… só que o mesmo não se aplica ao enredo. E é muito confuso, porque ao mesmo tempo em que eu não consigo parar de ler, eu acho toda a trama bobinha, chatinha… superficial e isso é um pecado, porque a premissa merecia muito mais, e acabou sendo apenas, ok.

Aqui conhecemos Dawn Schiff, uma contadora meticulosa, solitária e socialmente desajustada, ela é uma personagem intrigante, com uma maneira muito peculiar de perceber as coisas a sua volta, não consegue entender ironia, sarcasmo, a rejeição, tem dificuldades em ser socialmente ativa, não sabendo com se expressar, obcecada por tartarugas e em seguir o seu cronograma diário. E é justamente por ter uma rotina tão controlada e previsível, que quando ela não aparece para trabalhar, sua colega de trabalho Natalie Farrell, tida como a estrela do setor de vendas, carismática, linda e popular na empresa, percebe com surpresa a ausência dela. Inicialmente apesar da estranheza, Natalie tenta pensar em possíveis motivos para que sua colega não esteja presente, só que uma ligação muda tudo… e o que antes era apenas uma desconfiança, gera nela uma certeza, o que fará com que ela vá atrás de descobrir o que realmente aconteceu. O problema é que Natalie, se enfia em uma rede de segredos, aparências e uma linha tênue entre vítima e algoz, colocando em dúvida as certezas sobre quem realmente são essas duas mulheres.
“(…) Algumas pessoas só querem que você concorde com elas.”
A Contadora, é o tipo de livro que reflete muitas coisas, ele cria camadas, e explora temas ainda “tabus” no ambiente de trabalho, e eu diria até que mais, ele explora um lado da natureza humana que não gostamos de encarar, tais como a violência verbal, isolamento social, bullying corporativo, julgamentos precipitados, a rejeição ao que se é “diferente” Dawn e Natalie, são o centro da narrativa e por mais que trabalhem lado a lado na empresa, elas ocupam mundos completamente diferentes, e são tratadas de maneiras tão opostas que é difícil não se incomodar e sofrer pelo desprezo e olhares tortos que Dawn recebe, e isso vem da incompreensão, de tratar mal e ignorar aquilo que nos causa estranheza, que temos como diferente. E é importante deixar claro que ser amada, “adorada”, não é um problema, o problema está no que se faz com isso, em como você se usa deste status. E aqui temos o ponto alto da trama, que é essa dinâmica no ambiente de trabalho, a narrativa não confiável, e a autora se usando destes artifícios para tentar nos enganar e manipular, nos levando a suspeitar de todos e entregando facetas dos personagens que podem não corresponder exatamente a realidade.

E aqui volto ao que já falei no começo desta resenha; apesar de gostar da narrativa da autora, por ela ser ágil, fácil e viciante, eu não gostei da leitura como um todo, e preciso pontuar isso aqui. Dawn é uma mulher descrita de forma a nos fazer associá-la, a alguém com a síndrome de Asperger, e o que me incomoda é a superficialidade, a maneira irresponsável que a autora se usa de algumas das características, e principalmente como conduz isto a algo ruim, a um cenário de obsessão, hiper foco, estranheza, retaliação, sem nunca deixar claro se ela realmente é ou não… E do outro lado, temos uma mulher inteligente, popular, boa de lábia, mas que também é um estereótipo da mulher padrão, loira, corpo escultural, envolvida com homens casados… rivalidade feminina. Enfim, não consegui ignorar esses aspectos e o desfecho do livro só colaborou para reforçar isso, me pareceu contraditório, vazio, agridoce.
“— Dá para fingir ser um monte de coisa, mas é difícil fingir ser uma pessoa boa de verdade. E é raríssimo encontrar alguém bom de verdade.”
Eu deixo aqui minha recomendação para quem já é fã da autora, não acho que esse seja o melhor livro porta de entrada para novos leitores, mas para quem já gosta do seu trabalho ele vai funcionar bem. De modo geral, não é um livro ruim, mas também não é um livro bom, ele é razoável, tem uma premissa interessante, personagens imperfeitos, e escrita envolvente, mas peca no desenvolvimento e nas tomadas de decisões ao pegar caminhos mais confortáveis.

- The Coworker
- Autor: Freida McFadden
- Tradução: Irinêo Baptista Netto
- Ano: 2024
- Editora: Record
- Páginas: 308
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