Apesar de inspirar-se nos mistérios e assassinatos, além da quantidade de sangue derramado, a homenagem do seriado Penny Dreadful ao fenômeno editorial europeu do século XIX limita-se ao título, uma vez que suas tramas e personagens principais remetem às clássicas histórias do terror e suspense da época, não às narrativas extensas e surpreendentes que logo seriam relegadas ao passado. Embora a série não estabeleça como objetivo a apresentação de todo um universo que conquistou, assombrou e encantou a Era Vitoriana, ela nos instiga a conhecer alguns detalhes do período e, para facilitar o processo de pesquisa e satisfazer a curiosidade de nossos leitores, hoje compartilharemos com vocês algumas curiosidades acerca dos famosos penny dreadfuls.

Conheça a série de TV Penny Dreadful

As Penny Dreadfuls foram publicações de ficção e terror que eram vendidas na Inglaterra do século 19 e por serem histórias que custavam apenas um penny ou seja, um centavo, tinham como apelido, livremente traduzido, “centavos do terror”. Mas antes de se consolidar assim eram chamados de “penny bloods” e se caracterizaram em contar histórias de piratas ou salteadores de estradas. Um dos primeiros “penny bloods” publicados se chamava The History and Lives of the Most Notorious Highwaymen. Muitas das histórias eram baseadas em pessoas reais, como no caso da série Black Bess or the Knight of the Road em que era possível acompanhar a trajetória do salteador Dick Turpin.

Capa de Black Bess or the Knight of the Road

Um dos principais motivos pelos quais estas histórias adquiriram tamanha popularidade interliga-se a estabilidade adquirida pela imprensa. As melhorias efetivadas nas máquinas e técnicas de impressão facilitaram a produção de diversas cópias em pouquíssimas horas. Uma vez consolidado, o mercado editorial não apenas atendia as classes abastadas, mas também ofertava materiais acessíveis aqueles cuja renda era reduzida.

Como grande parte da população era alfabetizada, ainda que minimamente, as penny dreadfuls surgiram como estratégia interessante para atingir os mais diversificados pontos do mercado. Eles custavam pouco para os trabalhadores e custavam menos ainda para os editores, pois eram divididos em vários capítulos publicados semanalmente.

As histórias poderiam estender-se por anos e anos, contudo, eram divididas em pequenos capítulos ou episódios, publicados semanalmente no formato de pequenos livros de 8 a 16 páginas. O interessante nesta estratégia é que, caso o parágrafo ou trecho não fosse finalizado dentro do limite de páginas, as frases eram cortadas e os leitores somente descobririam como aquele trecho terminava na semana seguinte.

A estratégia de reduzir o custo do produto final e estender cada história por longos períodos deu certo. Entre 1830 e 1850 existiam aproximadamente 100 editores responsáveis pela impressão e publicação das penny dreadfuls voltadas aos mais variados estilos. Suas narrativas poderiam ser inspiradas em romances góticos do século XVIII, introduzindo barões assassinos e damas cujo conhecimento sobre venenos assombravam a população, até histórias de piratas e seres sobrenaturais. Contudo, os enredos mais famosos relacionavam-se a figura de detetives e assassinos provenientes das mais inusitadas localidades.

Card da edição nacional de Sweeney Todd, pela Editora Wish

Após o estrondo que foram as historias de salteadores, logo os leitores ficaram saturados e histórias mais horripilantes começaram a ser escritas, com enredos que envolviam roubos, assassinatos, envenenamentos e até o acréscimo de elementos sobrenaturais. Embora pouco comentado, um dos penny dreadfuls mais bem-sucedidos foi Mysteries of London, escrito por G.W.M. Reynolds. A narrativa inspirava-se em um livro francês, porém, após tornar-se popular a história ganha força e transforma-se em algo completamente novo e original, remetendo ao contexto social das classes mais baixas na mesma medida em que entretinha com seus assassinatos e casos misteriosos. Publicada pela primeira vez em 1844, o enredo estendeu-se por 12 anos, sendo dividido em 624 episódios.

Dentre as histórias que sobreviveram ao tempo e ressurgem por meio de adaptações cinematográficas, seriados ou publicações, temos o famoso Sweeney Todd, originalmente publicado como The String of Pearls. O famoso barbeiro demoníaco surpreendeu, assombrou e encantou de tal maneira a Era Vitoriana que, antes mesmo da finalização de sua história, a trama já havia sido transformada em peça de teatro, caracterizando-o como um dos poucos penny dreadfuls a resistirem sua época de origem. Além da peça a história foi adaptada para os cinemas em 2008, sob a direção de Tim Burton e protagonizado por Johnny Depp.

Cartaz da peça de teatro Sweeney Todd ou The String of Pearls

Repletos de crimes, assassinatos, sangue e violência, os penny dreadfuls marcaram um período histórico, o imaginário de uma população, além de oferecerem abertura para reflexões acerca das relações entre a publicação e leitura destas histórias com o crescimento da violência e número de assassinatos existentes no contexto da época. Desde então seguimos debatendo os mesmos assuntos, batendo nas mesmas teclas e, em determinados casos, condenando histórias, jogos, filmes ou músicas pelas ações cometidas por pessoas instáveis ou criminosos abomináveis. Assim como tantos fenômenos culturais, essas histórias foram aclamadas e criticadas, fizeram sucesso e foram esquecidas, inspiraram gerações e foram culpadas por atos condenáveis.

As pequenas histórias são consideradas as precursoras das dime novels e também as mais recentes pulps, portanto, o legado das penny dreadfuls é inegável. Nada mais são do que histórias interessantes que marcaram uma época. Seus mistérios, crimes, sangue e elementos sobrenaturais podem não ser lembrados por nossas mentes e culturas, mas, como pequenos feitiços ou fantasmas, são revividos em nossos próprios contos de terror e, por esse motivo, devem ser lembrados e admirados.

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