Persépolis é um quadrinho autobiográfico de Marjane Satrapi que irá relatar momento da sua vida e também marcos históricos a partir dos seus 10 anos. Marjane nasceu em Rasht no Irã, bisneta de um imperador, ela nasceu em uma família politizada moderna, educada com os valores ocidentais e costumes persas. Em 79 iniciasse a revolução do regime xiita no Irã, e com a queda do xá, os terrores e opressão dos persas estavam só começando, a grande maioria da população se converteu para uma ditadura islâmica.

Parece complicado de se entender? Não se preocupe. No início do livro teremos um resumo histórico que serve como um contextualizador, nele teremos parte da história persa, explica as invasões que aconteceram e a guerra que se estendeu. Além disso, nos situaremos pelos impérios inimigos dos persas. Estas informações são importantes para ajudar o leitor a adentrar na história e entender a cultura que a autora nasceu.
Voltando ao livro, Marjane presenciou, de muito perto, o endurecimento da ditadura islâmica e em poucos dias se viu obrigada a usar véu na escola, mesmo não entendendo os motivos. Desde tão nova se vê obrigada a lidar com mudanças, e aos 14, com as proporções da guerra e o aumento da violência, ela é enviada pelos pais para a Áustria. Este foi só o início da luta de sua família contra uma guerra que se perpetua até hoje.
A narrativa dos quadrinhos é feita inteiramente em primeira pessoa, então nossa relação com Satrapi será como autora-personagem. De uma forma muito criativa, a autora equilibra seus dramas com alguns toques de humor, sem deixar de falar sobre a opressão que vivia e refletir sobre tudo com muita emoção e dor, sem dúvidas uma forma de narrativa única, e que não teria o mesmo resultado se fosse de outra maneira, a não ser pelos quadrinhos.

Uma coisa bastante perceptível durante a leitura, é a relação bastante próxima que Marjane tem com sua família. Dentre eles temos toda a preocupação do pai, a mãe que tenta reprimir suas emoções pelo bem da filha e a relação da autora com a avó que é, com certeza, um dos pontos altos dos quadrinhos. A união das duas é bastante comovente e vem desta relação parte da coragem que Marjane precisa em diversos momentos de sua vida, como um farol pra os seus ideais.

Ao longo dos anos, a visão que Marjane começa a ter do mundo começa a mudá-la e desde muito cedo aprendeu a ansiar pela liberdade. Como se não bastasse, no meio de todo o conflito político que vivia, teremos fragmentos de alguns dilemas adolescentes da autora, iremos presenciar suas primeiras descobertas, relacionamentos e seus primeiros problemas longe dos pais, problemas que qualquer jovem passa. Toda esta verdade que a autora nos passa através de sua história, torna Persépolis um livro inesquecível.

Paralelamente a sua história, iremos presenciar diversos marcos históricos, outros temas irão abraçar este aspecto central na descrição da história, como por exemplo, a posição da mulher neste regime. A discriminação que as mulheres no Irã sofrem é bastante explorada, e a autora se preocupa em mostrar os dois lados da moeda em relação a isso, as que lutam por igualdade e as que lutam pelo véu.

Marjane Satrapi não só retrata sua vida num mundo reprimido, a autora participa de muitas das lutas que sabemos que aconteceu, ela e sua família são bastante corajosos em muitos aspectos, o simples fato de serem “rebeldes”, como eram conhecidos os membros ativos da oposição, já os tornavam passíveis de execução. Mesmo assim, eles faziam tudo, na medida do possível, pela luta pela liberdade. Claro que Marjane também mostra suas fraquezas e nem sempre tomou as melhores decisões e sofreu as consequências por causa disso.

Persépolis é um quadrinho que carrega uma carga emocional bastante pesada, dolorosa e impactante para nós, do mundo ocidental, onde temos tudo com fácil acesso, onde não somos privados de quase nada. Uma outra realidade comparada a vida de Marjane antes de sua vida adulta. Persépolis é uma experiência literária obrigatória, instrutiva e esclarecedora em muitos aspectos, um choque de realidade para quem vive num mundo de deslumbre, a realidade de que em muitos lugares ainda existe muito sofrimento e desigualdade, algo brutal.

Recomendo para quem procura uma crítica realista, que equilibra todos os momentos difíceis de serem contados com pitadas de humor para quebrar o gelo. É assim que a autora dá um toque de personalidade em sua narrativa. Por momentos esquecemos da biografia, esquecemos que a autora viu e sofreu momentos conturbados, esquecemos que enfrentou a solidão, o desconhecido e o incerto. Hoje, com humor, a autora conta a maneira como se perdeu e como conseguiu a redenção dentre dificuldades e preconceitos. Foi assim que Marjane encontrou uma forma de não se calar. Além de ser uma aula de história, Persépolis é uma leitura emocionante, uma grande inspiração.

Originalmente escrito em francês, Persépolis já ganhou um longa-metragem de animação com direito a indicação ao Oscar e já teve os direitos de publicação comprados por mais de 20 países. Além de Persépolis a autora tem mais três livros lançados pela editora Companhia das Letras, Frango com Ameixas que é baseado na vida do seu avô e Bordados, onde vai falar sobre as visitas que sua família fazia na casa da avó.

  • Persepolis
  • Autor: Marjane Satrapi
  • Tradução: Paulo Werneck
  • Ano: 2016
  • Editora: Quadrinhos na Cia
  • Páginas: 352
  • Amazon

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