Os adolescentes Eduardo e Paulo são amigos de infância, ambos têm apenas 12 anos, moradores de uma cidade do Rio de Janeiro, são humildes e nem sonhavam o que poderiam encontrar enquanto matavam aula juntos em determinada manhã.

Os garotos fugiram da escola para ir pescar no lago, mas enquanto caminhavam encontraram o corpo nu de uma jovem mulher, com um dos seios decepados e com visíveis sinais de estupro. Eles fazem o correto, ligam para polícia, mas obviamente que dois garotos pobres encontrando um corpo iria atiçar um instinto preconceituoso de alguns policiais, e os dois acabam virando os principais suspeitos do crime.

A maneira que a polícia trata os garotos é cheia de preconceito, colocando-os em uma posição completamente indigna, muito comum a realidade do nosso país, seja atualmente ou na época na qual se passa a história: O começo da década de 60.

Os dois garotos são liberados pela polícia, que devia protegê-los, mas acaba os deixando temerários e causando diversos outros problemas na vida deles. Paulo, por exemplo, é constantemente surrado pelo pai, que o julga como vagabundo e coloca a culpa de tudo que acontece sobre suas costas. Imagine como o homem irá reagir quando souber que o filho estava sendo acusado de assassinato e, posteriormente, de ter se aproveitado do corpo nu da vítima.

Os dois só passam a ter paz quando o principal dentista da cidade, marido da vítima, assume seu assassinato e acaba preso, livrando Eduardo e Paulo de qualquer problema criminal. Mas essa confissão pode até ter convencido a polícia, mas não aos garotos, que acham que o dentista não teria sequer físico para fazer tudo do que estava sendo acusado.

O que aconteceria se os dois fechassem os olhos naquele momento? Se eles fingissem acreditar, como a polícia fazia, e deixasse o dentista, que nem era amigo deles, preso, pagando pelo que eles tinham certeza que ele não havia cometido? Como ficaria a consciência deles? Será que conseguiriam dormir à noite sabendo que poderiam fazer alguma diferença no caso e solucioná-lo mesmo sendo apenas dois pré-adolescentes?

Porém, será que os dois teriam capacidade de solucionar esse caso? Será que iriam correr algum risco? Talvez até descobrir coisas muito mais cabeludas do que poderiam imaginar?

Se Eu Fechar os Olhos Agora é um retrato da sociedade brasileira da metade do século passado. Edney Silvestre consegue transpor para as páginas todo preconceito que havia, seja de classe, de credo, de raça e até mesmo de gênero, mostrando a visão que os vizinhos tinham da moça que fora assassinada, que era tida como vagabunda e o dentista conhecido como o corno da cidade.

As páginas duras do livro são um choque de realidade para o leitor, não só pelo fato de você imaginar que as situações descritas nelas eram comuns na época, mas principalmente pelo claro fato de que em quase 60 anos não conseguimos evoluir em nada. Os garotos pobres continuam sofrendo com uma polícia, na maioria das vezes, despreparada. Quanto a posição da mulher, apesar de existir a discussão feminista, e os crimes contra mulheres servirem cada vez mais como tema de estudos e criação de leis, eles não param de crescer. A mulher continua sendo a principal vítima da nossa sociedade e da violência que há nela.

A obra se desenrola com uma investigação que apresenta algumas falhas de coerência, deixando sua explicação pouco provável e difícil de acreditar, mas tirando isso, o livro é perfeito, a quantidade de ação e a maneira como os cenários são descritos é extremamente maravilhosa. Através da perspectiva dos dois garotos, teremos detalhes de todo a crueldade e de uma forma visualmente crua, isso somado a exploração psicológica que o autor faz dos personagens, é outro fator positivo da obra.

O final do livro é emocionante, incrível, surpreendente e forte, difícil segurar as lágrimas nas últimas páginas da obra quando acompanhamos de perto a relação de amizade entre os dois amigos. Há um salto temporal no final do livro, que pula para 2002, e o que acontece nele tem um encaixe perfeito com o começo da história e dá uma importância ainda maior para o que os dois garotos viveram lado a lado em 1961.

Edney Silvestre é um rosto conhecido dos brasileiros, já que é há muitos anos jornalista, e um dos grandes responsáveis por reportagens chocantes que apareciam constantemente em programas como Fantástico e Jornal Nacional. Ele foi, inclusive, o primeiro repórter brasileiro a chegar ao World Trade Center no fatídico 11 de setembro. Em 2009 lançou seu primeiro livro, justamente “Se Eu Fechar Meus Olhos Agora”, ganhador do Prêmio Jabuti de Melhor Romance.

Em agosto do ano passado “Se Eu Fechar os Olhos Agora” virou uma minissérie na Rede Globo. Com 10 episódios de 40 minutos, era exibida em horário nobre, contando com atrizes como Mariana Ximenes e Débora Falabella, a minissérie teve uma ótima aceitação do público e ainda pode ser conferida através do serviço de streaming da Globo, o GloboPlay.

Edney continua escrevendo, já tem mais 5 obras, e o seu livro, Vidas Provisórias pode ser considerado, em parte, continuação de Se Eu Fechar os Olhos Agora, já que retoma alguns personagens da história do primeiro livro.

Enfim, Se Eu Fechar os Olhos Agora é um  livro incrível, onde o autor usa toda sua capacidade jornalística para reconstruir o preconceito de nossa sociedade em suas mais variáveis faces, chocando o leitor com cenas impressionantes e repletas ação, é uma reflexão necessária da nossa sociedade e um tapa na cara de quem acredita que nós evoluímos. E você, se visse um corpo, se soubesse que o homem acusado tinha mínimas chances de ser o real culpado, fecharia os olhos?

  • Se Eu Fechar os Olhos Agora
  • Autor: Edney Silvestre
  • Ano: 2019
  • Editora: Record
  • Páginas: 266
  • Amazon

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