Esta obra apresenta temas sensíveis tais como: abandono afetivo, maternidade, depressão e violência, podendo acionar alguns gatilhos.

Blythe Connor vêm de uma família desestruturada, abandonada emocionalmente por sua mãe, cresceu com esse sentimento de rejeição, frieza e apatia. E por isso, está determinada a ser diferente, ainda que não tenha grandes modelos a seguir, e que sua experiência como filha tenha sido tortuoso, ela quer fazer diferente, na verdade ela se sente pressionada a dar ao marido Fox, a família perfeita que ele tanto deseja, ser a melhor mãe que alguém poderia ser, ainda que isso vá de contra a sua própria criação.

É durante sua gestão que os primeiros questionamentos surgem, Blythe começa a desejar o tipo de maternidade que sempre escutou, o amor incondicional, a cumplicidade com seu bebê, o instinto materno que irá a orientar, são muitas as expectativas, tanto suas, quanto do seu marido e familiares sobre ela. No entanto, quando sua filha Violet nasce, tudo sai completamente diferente do que Blythe imaginou, não apenas pelas dificuldades e desafios que surgem ao longo de cada dia como mãe de primeira viagem, mas também por ser consumida por uma depressão pós-parto e descaso por parte de seu parceiro. Levando-a a se sentir incapaz, insuficiente, errada, como se ser mãe não fosse para ela. Violet parece a odiar cada vez mais conforme cresce, e seu vinculo com o pai só aumenta, além disso, a pequena apresentar alguns comportamentos extremos e complexos que assombram Blythe, fazendo com ela questione a própria sanidade e toda vez que ela tenta trazer isso a tona, conversar com seu marido, ele a taxa como exagerada e nem a escuta. Aumentando assim cada vez mais o distanciamento entre eles três.

“(…) Achávamos que conhecíamos um ao outro. E achávamos que conhecíamos a nós mesmos.”

Entretanto, tudo muda mais uma vez com o nascimento de seu segundo filho alguns anos depois, é quando de fato Blythe descobre a maternidade como ela sempre sonhou. Sam, é um bebê doce, tranquilo, fácil de lidar. O vinculo entre ambos foi instantâneo, fazendo com que rapidamente a criança se tornasse o centro do mundo para Blythe, pela primeira vez, ela se sente como uma mãe, como se estivesse fazendo exatamente o que deveria… só que um acidente terrível acontece, e com ele a destruição da sua família.

O Impulso é um drama psicológico perturbador sobre a jornada da maternidade, e as consequências de traumas e abusos sofridos na primeira infância, mas também é uma história sobre responsabilidade afetiva, expectativas, a natureza humana versus a criação, sobre medos e anseios, pressão social e o que é ser uma boa mãe? E já aviso a vocês, não é uma leitura fácil, apesar da narrativa da autora ser fluida e envolvente, os temas por ela debatidos são densos, angustiantes e com certeza afetará cada leitor de uma maneira diferente.

Quando iniciamos a leitura, já percebemos que algo ruim aconteceu e desencadeou o afastamento de uma família. Blythe está escrevendo uma “carta” para seu ex-marido, derramando a sua alma naquelas páginas, relembrando e de certa forma, revivendo todos os acontecimentos desde que se conheceram, o casamento, o nascimento dos filhos, a tragédia e o término, então acompanhamos toda a jornada e tudo que eles enfrentaram, aos olhos dela. Em paralelo, também acompanhamos um pouco da história de sua avó e mãe, revelando um histórico complicado de mães e relacionamentos com suas filhas. O que costura muito bem os comportamentos e a narração em si.

“Violet tinha uma mente brilhante, fascinante, e às vezes eu desejava ter acesso a ela. Ainda que temesse o que poderia encontrar.”

 O que pra mim foi mais marcante no enredo, é a forma como Blythe relata suas frustrações, medos, inseguranças, em relação a maternidade. Ser mãe não era sua prioridade, mas ela queria uma família diferente da que ela teve, e seu marido Fox, desejava muito ter um filho, então aconteceu… Violet nasceu e com ela uma série de situações que colocavam em prova a sua capacidade de gerir uma família. Violet não era uma criança como as demais, seu comportamento gerava certa aversão, a comunicação entre mãe e filha era dificultosa, elas não conseguiam se entender, pareciam viver momentos diferentes, e isso foi gerando um desgaste absurdo em ambas. Blythe ansiava pelo instinto materno, pela ligação de mãe e filha, por viver tudo aquilo que ela nunca pode, mas Violet parecia se distanciar cada vez mais, desenvolvendo um sentimento contrário ao que era esperado. Já com o pai, isso não acontecia, quando ela estava em sua presença, é como se outra criança passasse a existir, e isso passa a ser um peso muito grande para Blythe, pois faz com ela questione se é culpada pela filha ser como é, se ela a negligenciou, se fez o mesmo que fizeram com ela, e por isso seu comportamento raivoso, distante e frio, ou se seria algo de sua natureza.

Quando seu segundo filho nasce, tudo muda, porque pela primeira vez Blythe sente tudo que desejou, o amor, a afeição, o desejo de proteger, de mimar, o cheirinho de bebê, é como se tudo entrasse nos eixos, ele passa a ser o centro da sua vida, só que algo terrível acontece, levando Sam de seus braços e destruindo o que ainda restava de sua família.

E foi especialmente doloroso acompanhar a dor dessa mulher. Vê-la ser silenciada, oprimida, tendo sua fala calada constantemente por seu marido e pessoas que a cercavam e a fazia se sentir inadequada. E como isso fez com que ela tivesse sua segurança quebrada, tornando-se uma mulher insegura, amedrontada, questionando a própria sanidade. Como se verbalizar as dificuldades da maternidade fosse um crime, precisando encará-la como algo lúdico, lindo, perfeito. Outro ponto que a história também levanta é a questão da natureza humana, se seria ela um reflexo da criação, da mãe, ou se existem comportamentos que já nascem com a pessoa, e isso está muito bem explorado na personagem da Violet.

É importante frisar também que nossa narradora não é confiável, principalmente por todos os traumas e choques que ela enfrentou, o que pode de alguma forma distorcer o que ela pensa ter visto… ou não.

Enfim, O Impulso é o tipo de livro que desperta uma dualidade de emoções no leitor. Ele fala de uma maternidade muito mais “real”, despida de todo o glamour, ou romantização que o tema sempre acaba por trazer. Aqui a autora questiona principalmente as cobranças impostas pela sociedade de como uma mãe deve ser. Como ela deve performar, o que ela pode ou não reclamar, que tudo é sua culpa, nos fazendo pensar a respeito do que é ser uma boa mãe? Existe realmente um padrão? Nascemos com esse instinto materno? E muitos outros pontos que vão cutucando gradativamente ao longo dos capítulos.

Se você já leu Precisamos Falar Sobre o Kevin, provavelmente irá encontrar alguns pontos em comuns, a leitura por diversas vezes me fez recordar esse livro, com a diferença de ser um pouco mais sutil na maneira como aborda e expões os acontecimentos. Eu gostei bastante da leitura, apesar de ela ter se tornado previsível na metade do livro, eu fiquei esperando por um acontecimento, ou uma revelação que pudesse mudar todo o rumo da história, mas isso acabou não acontecendo, só confirmando o que eu já estava esperando. Mas lembrando que essa é a minha experiência de leitura e com você pode ser diferente.

  • The Push
  • Autor: Ashley Audrain
  • Tradução: Lígia Azevedo
  • Ano: 2021
  • Editora: Paralela
  • Páginas: 328
  • Amazon

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