Todos os povos têm suas bruxas. A Baba Yaga é uma divindade muito marcante do folclore eslavo. São muitas as versões de histórias sobre essa bruxa, contudo há uma versão russa considerada a principal. Baba Yaga, uma senhora muito suspeita e feia, mora em uma casa com pés de galinha e com uma decoração feita de ossos humanos. Assim, a bruxa usa a casa para andar pela floresta procurando pessoas para comer. Além disso, ela tem um caldeirão voador, no qual ela usa também para se locomover e não deixar rastros. 

Foi baseada nessa lenda que a autora, Sophie Anderson escreveu A Fabulosa Casa com Pernas. Aqui, Marinka, uma menina de 12 anos, é neta da baba yaga. Sua avó é responsável por todos os dias preparar um banquete para receber as almas dos mortos e ajudá-los na passagem para o além-vida. As duas vivem em uma casa com pernas de galinha que se movimenta para vários locais conforme a necessidade de coletar os espíritos e para que os humanos não desconfiem da casa, já que além de pernas de galinha o cercado da casa é feito de ossos e crânios.

Contudo, Marinka está cansada de ir para vários lugares e nunca criar raízes em um único lugar. Além disso, ela é proibida de andar muito longe de casa e não pode fazer amigos. Ela será a próxima baba yaga e precisa aprender ao máximo as obrigações do “cargo”. Porém, ela é uma criança e tudo que ela mais quer é fazer amizades e criar vínculos com as cidades onde passa. Ela se sente cansada da vida que leva, e ao fazer amizade com um menino, seus desejos de uma vida diferente ficam mais perceptíveis.

O primeiro motivo que me fez querer ler esse livro é o fato de ele fazer parte do selo Magicae (histórias com elementos mágicos), mas ser muito semelhante com as histórias publicadas pelo selo Darklove. Esse é o meu selo favorito da Darkside Books, e normalmente gosto de tudo que eles publicam. Com A Fabulosa Casa com Pernas não foi diferente, mesmo que eu tenha achado a história mais simples do que eu gostaria, a trama do livro é bem construída e apresenta questionamentos interessantes.

No início, eu achei que o livro iria falar mais sobre a morte, contudo percebi com a leitura que o tema central do livro é a aceitação. Marinka não quer levar a vida que tem e tenta fugir dela de muitas formas. Contudo, a autora apresenta uma narrativa na qual os acontecimentos levam Marinka a refletir sobre sua vida e seu destino como futura baba yaga. Ela também perdeu os pais quando era bebê, e vamos ver como isso tem um impacto muito grande nela. Uma das coisas que ela mais deseja é ter amigos e quando surge a possibilidade de isso acontecer, vemos Marinka perder seu senso de responsabilidade. O que vai desencadear muitas consequências para ela e para sua avó. 

“Os mortos chegam aqui perdidos e confusos, mas saem calmos e em paz, prontos para seguir viagem.”

Ela é uma menina, privada de muitas coisas e com muitas responsabilidades. Então, é necessário levar em conta isso durante a leitura. Marinka tem um pássaro como amigo e confidente. Gostei de ver como a autora trabalha essa relação, pois há aprendizado nessa troca também. A história é simples em alguns momentos, mas eu entendi que devia ser assim levando em conta o público-alvo. Não posso deixar de comentar a relação entre neta e avó, pois temos de momentos de alegria a momentos de preocupação. Há uma evolução em Marinka quando ela percebe a importância da avó.

 Mesmo que a baba yaga seja considerada uma bruxa má, aqui a autora usa elementos de outras lendas envolvendo esse ser sobrenatural para apresentar sua visão sobre ela. Sabemos que ela já tem séculos de idade e que é muito maternal e preocupada com Marinka. Mas ela ainda mantém sua relação com a morte, já que ajuda os mortos na passagem. Inclusive, Sophie deixou esse ritual muito bonito e significativo ao dar importância às histórias que os espíritos têm para contar. Sem falar que ela deixa bem claro para a neta que esse momento deve ser visto com seriedade e que deve haver dedicação aos espíritos.

A casa, é claro, é uma personagem também. Ela tem seus momentos de destaque e sua importância para a história é inegável. Ela tem sua missão a cumprir, mas fica evidente que se importa muito com o que está acontecendo. Quando necessário, interfere no que acha que está ao seu alcance. Além disso, é uma boa amiga. 

Sobre o tema morte, mesmo que pareça que está tudo sendo mostrado diretamente, a autora trabalha na sutileza e há momentos muito bonitos de reflexão. Temos questões sobre luto, aceitação da morte e ciclo da vida. Acredito que mesmo que o livro não traga uma grande história, seu objetivo é cumprido, aceitar a morte não é fácil, mas é necessário para seguirmos vivendo.

Avaliação: 3 de 5.

  • The House With Chicken Legs
  • Autor: Sophie Anderson
  • Tradução: Fernanda Lizardo
  • Ano: 2022
  • Editora: Darkside Books
  • Páginas: 272
  • Amazon

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