ATENÇÃO! É IMPORTANTE SE ATENTAR A TEMAS SENSÍVEIS
Eu amo leituras inquietantes, que cutucam, confrontam, mexem com as nossas emoções e nos fazem questionar o que é certo ou errado — e o que faríamos em determinada situação. Para mim, são esses enredos que nos impulsionam a aprender, pesquisar, enxergar fora da caixa e questionar todos os lados de uma história, e não apenas o que tomamos como certo de imediato.

Talvez seja a verossimilhança na construção dos personagens. Não há mocinhos ou vilões, apenas pessoas reais, com ações impulsivas, interpretações distorcidas, primeiras impressões, vulnerabilidades e traumas — tudo misturado em algo tão humano e atual. Assim, a leitura deixa de parecer ficção e se torna uma história já ouvida, talvez até vivida… um turbilhão de emoções que nos desafia, confronta e incomoda.
Os Sussurros: um thriller psicológico intenso
Os Sussurros é um thriller psicológico, uma leitura crua e visceral, que nos transporta para o grande tabu da maternidade, bem como para as sombras que habitam as relações humanas e a amizade.
O bairro é de classe média alta, onde todos parecem se conhecer, se importar e conviver bem. Entre sorrisos, cumprimentos e eventuais churrascos, vizinhos e amigos interagem como se se conhecessem perfeitamente. Mas, no meio da noite, sob um silêncio sepulcral, algo terrível acontece: o pequeno Xavier, de apenas dez anos, cai da janela do seu quarto e é encontrado inconsciente. O que parece ser um trágico acidente ganha novos contornos quando lembranças recentes retornam à mente da vizinhança — um episódio em que sua mãe, Whitney, perdeu o controle e disse palavras difíceis de esquecer.
Whitney é o centro dessa espiral de angústia. Uma mãe em sua dor, desesperada, sem saber se seu filho sobreviverá. Ela permanece calada, determinada a não falar com ninguém, jamais saindo do lado do filho. Mas… o que de fato aconteceu naquela noite?
“É impressionante o que se aprende sobre as pessoas quando se é mais ou menos invisível. As coisas que elas não querem que os outros vejam são as mais reveladoras.”
Ao lado de Whitney, temos Blair, Rebecca e Mara — mulheres com vidas entrelaçadas por laços de vizinhança, amizade e uma sede sufocante por pertencimento.

Whitney é vista como a mulher modelo: dá conta de tudo, é bem-sucedida, controlada, elegante, linda — despertando olhares por onde passa com sua postura altiva. Mas, dentro de casa, oculta rachaduras, faltas e falhas. A maternidade a desespera mais do que acalenta. Ela não ama ser mãe, prefere focar na carreira e sente-se mais confortável no ambiente de trabalho do que em casa. Vive uma dupla realidade, carregando um peso que a ameaça diariamente.
Blair, sua melhor amiga, aparenta ser uma mãe perfeita, compreensiva, sensível, gentil—uma mulher generosa, disposta e participativa. Mas, por trás dessa imagem, está afogada nas demandas do casamento, insegura, lidando com frustrações silenciosas e medos que a corroem.
Rebecca, uma médica brilhante, leva um casamento aparentemente feliz e vive sua vida da melhor maneira possível. Mas carrega o peso da perda, das vidas não vingadas, dos abortos, da ausência de filhos—um luto, um medo, um trauma, uma dor que a faz questionar sua identidade.
Por fim, temos Mara, a mais velha, a menos notada, uma observadora que deveria ser ouvida como a voz da experiência. Talvez, a que mais precisava de colo, de atenção—mas também aquela que traz à tona verdades que as outras preferem ignorar.
Ela sabe que a maior parte das pessoas se incomoda com a ideia de mulheres como ela, que buscam riqueza com o mesmo vigor com que os homens buscam o tempo todo. Mesmo que não admitam. Que é desconcertante quando uma mulher quer mais dinheiro do que a sociedade acha que ela vale.
Muito além de um mistério, um retrato brutal da sociedade
Vamos mergulhar nas histórias dessas mulheres, entrar em suas mentes, explorar suas emoções, medos e a solidão que cada uma carrega. Tudo isso, enquanto tentamos descobrir o que realmente aconteceu com Xavier.
Os Sussurros é uma leitura que expõe pressões invisíveis e expectativas impostas sobre o que significa ser uma mulher e uma mãe. Ele questiona:
- O que é ser uma boa mãe?
- Como uma boa mãe deveria agir?
- Qual o papel da mãe na educação e no cuidado dos filhos?
- O que acontece quando as expectativas da sociedade entram em conflito com os desejos e limitações individuais?
O livro aborda temas como lealdade, confiança, medo de perder o controle, culpa, marcas que desarmam e o desejo por conexões que preencham nossas falhas.

O maior destaque do enredo, para mim, está na construção das protagonistas — quatro mulheres imperfeitas, reais, despidas da imagem romantizada da maternidade. Elas não são heroínas nem vilãs. São falhas, muitas vezes frágeis, ainda que demonstrem força e convicção. Podemos discordar de suas ações, questioná-las, revoltar-nos, mas não podemos ignorar a complexidade de suas motivações. E é aí que reside a beleza do livro — no desconforto, no incômodo que ele gera, na maneira como nos força a olhar para o imperfeito.
Gostei muito da leitura, mesmo que não a considere perfeita. A autora conduz a narrativa com maestria, alternando entre passado e presente, revelando segredos, mentiras e traições que culminam na tragédia. Cada nova página traz uma revelação, e muitas delas são imprevisíveis. Com uma escrita envolvente e feroz, momentos de calmaria e tensão insuportável, Os Sussurros marca, desafia e emociona.
Se você procura uma leitura que promove discussões, que te faz questionar suas próprias noções de amor, que perturba e emociona ao mesmo tempo, aqui está um livro difícil de ignorar — o jeito Ashley Audrain de escrever.

- The Whispers
- Autor: Ashley Audrain
- Tradução: Lígia Azevedo
- Ano: 2024
- Editora: Paralela
- Páginas: 352
- Amazon