Stella Lane está seguramente estável em seus números e tabelas. A vida pra ela sempre foi uma ciência exata, onde tudo pode ser calculado ou previsto. Suas assertivas a tornaram a melhor em seu ramo profissional. Ela é bem sucedida, tem a casa que sempre sonhou, e veste com orgulho o terninho de ótima qualidade feito sob medida para o seu belo corpo. Um corpo que nunca foi tocado pelas mãos de um homem que ela tivesse realmente gostado.
Na verdade, os números não conseguem ajudá-la se o assunto é o sexo oposto e quando sua mãe continua pressionando-a para enfim apresentar um namorado, ela toma a primeira e mais lógica decisão em que consegue pensar: Stella contrata alguém para treiná-la. Se tem uma coisa que ela sabe bem, é que a prática leva a perfeição, e é por isso que ela está mais do que disposta a usar todo o dinheiro que possui para se tornar a mulher dos sonhos de qualquer cara. No entanto, quando ela se depara com Michael Phan, o acompanhante profissional contratado, ela só consegue pensar em fugir. Stella não tem certeza se conseguirá se concentrar na tarefa quando um homem tão lindo como ele a olha daquela maneira, como se conseguisse ver a garota de verdade por trás da fachada fria e recatada.
O tema já é velho, mas talvez nunca tenha sido abordado dessa forma. É comum encontrarmos dentro do gênero romance erótico, livros onde nos são apresentadas garotas de programa que acabam por se envolver romanticamente com seus clientes. Há certo fetiche na situação e já conseguimos notar que esse tipo de coisa vende. Encontramos a proposta também na leitura de Os Números do Amor, mas em um formato totalmente novo e interessante, que tenho certeza, você vai adorar conhecer.
Apesar de todo o erotismo que existe no fato da nossa protagonista contratar um acompanhante profissional, para justamente treiná-la em assuntos sexuais, fica evidente logo nas primeiras páginas que o enredo não traz isso como prioridade. Foi uma grata surpresa descobrir que a obra não se trata de um manual sexual cheio de clichês tediosos e irreais onde uma mulher se finge de ingênua e um cara faz o tipo professor aplicado. O que me encantou na escrita de Helen Hoang foi justamente o contrário, a delicadeza das cenas, a sutileza dos detalhes, a sinceridade dos personagens.

Mais um quarto de hotel, mais uma cama, mais uma cliente em seus braços. Era uma noite de sexta como muitas outras. Só que ele nunca havia se sentido tão exposto, tão vulnerável, e ainda não tinha nem tirado a calça.

Stella Lane não é uma personagem comum, ela tem Asperger, que é um transtorno do espectro autista e é caracterizado principalmente pela dificuldade nas relações sociais. O que explica porque uma mulher linda e bem sucedida como ela, não consegue se conectar com nenhum homem e iniciar um relacionamento. No início da narrativa, a autora fez questão de colocar claramente todas as características da síndrome em cada atitude da protagonista, o que gera empatia e envolvimento na história. Mas me incomodou que apesar de diagnosticada, Stella não passa por nenhum tipo de tratamento ou terapia que auxilie em sua condição, e a pressão dos pais, para que ela aja como uma pessoa sem nenhum tipo de dificuldade, também foi um pouco controverso. Não que essa seja uma possibilidade irreal, afinal é tristemente comum que as pessoas ignorem as doenças mentais e tal como os pais da protagonista, pensem que se houver um pouco de esforço por parte do portador, qualquer coisa seja possível.
No entanto, apesar de abordar com tanta intensidade as características da síndrome de Stella na primeira parte do livro, é possível perceber uma indiferença com que esses mesmos detalhes são tratados na segunda parte da história. As características perdem força e até mesmo somem após uma milagrosa relação sexual. E quanto à isso, não há argumentos. Em um primeiro momento eu tentei entender que a autora não quis causar uma repetição desnecessária citando o Asperger sempre que a protagonista vivenciava uma nova situação, no entanto esse fato, tirou a credibilidade anteriormente construída. A garota praticamente se torna outra pessoa em certo momento da história e não consegui conectar a personagem do antes, com aquela do depois. Nos agradecimentos – sim, eu também gosto de ler essa parte do livro – a autora comenta que ela usou as próprias experiências para inspirar Stella e menciona também que não há uma regra geral na síndrome e que indivíduos diferentes apresentam graus diferentes das características. Me pareceu uma justificativa para algo que ela mesmo percebeu na trama mas não quis ou não conseguiu alterar.
Na história também temos a chance de conhecer o ponto de vista de Michael Phan, um asiático de origem humilde que encontrou no serviço de acompanhante a solução para os problemas financeiros da família. Apesar do serviço por ele desempenhando, ficou evidente o esforço da autora em mostrar um homem romântico e carente de amor que se envolveu rapidamente com Stella, apesar de já ter conhecido várias mulheres antes.

Não posso negar, o homem é incrível. Ele é fofo, preocupado com a mãe e com as irmãs e o principal, respeita as mulheres com uma veneração admirável. Ele está acostumado com o tipo de mulher que só se preocupa consigo mesma, o que não deveria ser estranho, já que ele está sendo pago para fazer exatamente isso e o que mais ama em Stella é que ela se preocupa também com o prazer dele. Mas isso também é um pouco irreal, já que ele cita alguma mulheres que se apaixonaram por ele durante o serviço e o perseguiram depois. São detalhes que nós leitoras mais exigentes percebemos logo de cara e que acabam por prejudicar a narrativa e o desenrolar da história.

Mas se tem uma coisa que ganhou pontos comigo, foi a delicadeza das cenas a dois. São lindas e descritas de forma a abraçar todos os sentidos. Você consegue imaginar cada minuto do que está sendo vivenciado por Stella. A descoberta do prazer, a aceitação pelo próprio corpo, a percepção de que ela também precisa ser amada. Michael não faz apenas sexo com seu corpo, mas ele inunda sua mente de sensações nunca antes sentidas. Talvez por causa da condição dela, mesmo um simples beijo ganha proporções únicas e eu senti o mesmo toque atencioso dos dramas asiáticos que eu tanto amo. E não por coincidência, Stella também assiste os tais seriados asiáticos e é exatamente por isso que escolhe Michael que lembra muito um certo ator coreano. No início não fica claro se Stella realmente está se apaixonando ou se é apenas uma obsessão, como ela mesma cita em alguns momentos e essa incerteza instiga a leitura. Também é curioso ver como Michael se entrega a esse sentimento tão assustador chamado amor.
De um contrato sexual, o casal passa para um contrato sem contato físico algum, já que Stella acredita ser necessário treinar apenas sua interação social e é nesse momento que somos apresentados aos personagens secundários, que demoraram um pouco para aparecer, mas que foram bem aproveitados desse momento em diante. A família de Michael é tão incrível e interessante quanto ele próprio, as passagens onde esses membros são apresentados são envolventes e engraçadas. Eles cumprem bem o papel e dão um toque mais humano a trama. A interação de Stella com eles é bastante agridoce, já que sua dificuldade em se relacionar com estranhos torna tudo muito intenso.
Para nós fica óbvio que Stella passa muito dos limites em algumas das coisas que ela faz e fala em sua primeira visita a casa de Michael, mas ela não consegue compreender o que ocorre quando um clima extremamente desagradável se instala no ambiente. Por medo de ser ridicularizada Stella esconde de todos que possui Asperger, o que causa vários desentediamentos, mas não é aquele tipo de coisa que você pensa que é exagero manter escondido. É compreensível que Stella tenha medo de perder o homem que ama por ser diferente, que ele a olhe de forma diferente após descobrir seu segredo.
De forma geral, Os Números do Amor traz uma leitura envolvente e delicada, daquelas que aquece o coração mas que também desperta a sensualidade. Alguns detalhes poderiam ter recebido um pouco mais de atenção, e o drama deveria ter sido melhor explorado, apesar disso é você não vai se arrepender de colocar mais esse livro em sua lista de desejados.

  • The Kiss Quotient
  • Autor: Helen Hoang
  • Tradução: Alexandre Boide
  • Ano: 2018
  • Editora: Paralela
  • Páginas: 280
  • Amazon

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