Ano passado, após ler As Outras Pessoas, até então o último livro de C. J. Tudor, eu prometera a mim mesmo que daria apenas mais uma chance à escritora, estava cansado, depois de ler este livro e o anterior a ele, O Que Aconteceu com Annie, de ver C. J. simplesmente estragar enredos que eram extremamente promissores com finais absurdos e mal resolvidos, se perdendo na própria ideia e deixando coisas em aberto ou mal explicadas.

E foi nessa vibe que eu li seu novo lançamento. Garotas em Chamas seria a última chance que eu iria dar para ela, para descobrir se ela era realmente uma boa escritora ou se O Homem de Giz teria sido, literalmente, sorte de principiante. E bom, ela conseguiu me deixar apaixonado pelos seus livros de novo, descobri que, sim, ela é uma grande escritora, mas descobri muito mais que isso também.

Em seu novo livro vamos descobrir a história de mãe e filha, Jack e Florence Brooks, que mudarão de cidade para que a mãe seja a nova reverenda da pequena Chapel Croft, já que o antigo pároco tinha acabado de se suicidar. A missão de Jack, a mãe, seria árdua, para ter a representatividade de um religioso na cidade você precisa primeiro adquirir a confiança das pessoas, analisa-las, conseguir entender o que cada um dos habitantes do local esconde e como eles se comportam. Aliado a isso, ainda teria que conviver com a filha adolescente que está com dificuldade de fazer amizades no lugar desconhecido e vocês devem imaginar como adolescentes podem ser chatos.

E é justamente observando como as duas se comportam no novo habitat que começamos a leitura, bem como vamos conhecendo cada um dos personagens que essa cidadezinha nos oferece. Aqui vai meu primeiro ponto positivo não só sobre o livro, mas sobre como a escritora costuma construir suas narrativas. Você sabe desde o começo do livro que o suicídio do antigo reverendo tem algo obscuro por trás, é algo bem óbvio e que vai ditar a trama, mas você não sabe o que aconteceu nem em quais circunstâncias. Então a tendência do leitor é querer saber quem são os principais suspeitos ou de quem você pode desconfiar nesta história, e é aí que entra a grande magia da escritora! As personagens não conhecem ninguém na cidade, então elas precisam começar a se relacionar com essas novas caras, se apresentar a elas, sejam na igreja, no caso de Jack, ou na escola, no caso de Flo, então você, leitor, acaba conhecendo estas pessoas também e tirando suas principais conclusões.

Acho isso incrível por que acontece de forma fluída, sem forçar nada, e que apesar de induzir você a ter as mesmas opiniões que as duas personagens principais estão tendo, você pode ler eles de formas diferentes, achando inclusive que as personagens podem estar sendo enganadas ou tendo algum preconceito sobre determinada pessoa.

Esse “reconhecimento de campo” leva quase meio livro, e é bem legal. Você estar conhecendo o novo local junto com a dupla é algo bem interessante e torna o enredo muito leve, mas depois da metade da obra as coisas pegam fogo, literalmente, aí é que entra a ação, a investigação, os crimes começam a aparecer e o passado da pequena cidade vem à tona, e você também nota o quão idiota foi durante as primeiras impressões que teve dos habitantes.

Depois disso vem a terceira parte da história, o último quarto da obra, as derradeiras páginas finais, aí que mora o perigo e que entra a parte contraditória do estilo literário, super original, de C. J. As reviravoltas que ela apresenta nas últimas páginas são conflitantes, beirando o insano, muito perto da linha que divide um livro incrível, de um livro péssimo. Ela tenta enganar o leitor a todo momento, inserindo alguns elementos novos, que nunca tinham sido mencionados na história, ela tem a capacidade de colocar na última página do livro, um personagem que sequer tinha mencionado na história, que desta vez não muda em nada a trama, mas fico me perguntando: se não muda em nada, porque colocar? Pra que se arriscar tanto? Porque tantos plot twists desnecessários?

Bom, talvez eu esteja forçando um pouco, eles não são TÃO desnecessários, eles com certeza, dessa vez, deixaram o livro incrível, fizeram o suspense ser inimaginável, tornando a intensidade emocional das últimas páginas do livro muito forte, deixando o leitor com a impressão de estar sendo sacudido a cada nova informação que é passada. Mas, sempre tem um mas, o livro seria bem bom sem nada disso também, sem esse final surpreendentemente mirabolante.

Garotas em Chamas já tinha uma boa trama, teve um inicio ótimo, o desenvolvimento muito interessante, que prende o leitor realmente, mas ela fez um final épico, um final grandioso, que eu duvido que alguém tenha antecipado durante a leitura. Mas é o que eu disse, dessa vez deu certo, em As Outras Pessoas e em O Que Aconteceu com Annie não deu, aliás, passou longe de dar.

Devido a isso, percebi uma característica sobre escrita da autora: ela se atrapalha dentro da própria trama, ela tenta deixar o leitor tão sem fôlego que esquece que a sua história precisa de fôlego, que em algum momento ela vai ter que solucionar todos os mistérios secundários que criou, e que não é apenas encerrar eles, mas também precisam fazer sentido pra trama, precisam ser realistas, ao invés de focar em apenas uma vertente. Tudor vai colocando vários elementos bem menos importantes que a história principal, mas que também precisam ser desenvolvidas, que também precisam ter um contexto e principalmente um final.

Querem um exemplo disso? E aqui vai um leve spoiler do enredo. Em algum momento do começo da história, Flo encontra uma carta com alguns elementos de exorcismo e uma cruz, isso assusta ela, isso não faz parte da história principal, é algo solto no começo do livro, que funciona tanto para distrair o leitor quanto para por mais um elemento de suspense. Esse fato precisa ser explicado no livro, o porquê de ela ter encontrado, de onde isso veio, quem deixou ali, de quem era aquilo, para que servia.. viram quantas coisas surgem a partir de uma cena que não custou três páginas da história? E se você não explica isso, acaba deixando o leitor frustrado por não ter tido explicação para aquilo, se explica mal ou de maneira rápido, estraga um livro inteiro. Agora imaginem essa cena multiplicada por 10, com coisas bem mais importantes que um item de exorcismo, com fatos que podem, inclusive, mexer na trama principal, pois é, ela se arrisca sem nenhuma necessidade.

Dessa vez funcionou, ela fez um livro maravilhoso, um dos melhores do ano, e sem nenhuma dúvida a melhor de suas obras, a autora chegou a um patamar alto, com uma literatura de suspense que envolve os principais elementos que procuro em um livro: enredo bom, mistério instigante, muitas surpresas e um final coerente sem deixar nenhuma aresta a ser aparada depois. Ela conseguiu fazer sua fórmula mirabolante dar certo novamente, conseguiu me fazer virar fã dela de novo, e lá vai o Bruno comprar o próximo lançamento da escritora! Mas com medo, com receio de que da próxima vez ela erre a mão novamente, que ela não consiga abraçar todos os elementos que sua história vai criando e que mais uma vez eu fique irritado com seus finais.

Não foi o caso agora, esse livro é irreparável, sem defeitos e muito gostoso de ler, como será o próximo?

  • burning girls
  • Autor: C.J. Tudor
  • Tradução: Regiane Winarski
  • Ano: 2021
  • Editora: Intrinseca
  • Páginas: 352
  • Amazon

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