Quando um autor já consagrado na fantasia juvenil – cujo best-seller do New York Times Eragon, primeiro volume do Ciclo da Herança, marcando seu início aos quatorze anos no mundo literário, amplamente influenciado pelo mestre e filólogo J. R. R. Tolkien – se propõe a escrever uma história de ficção científica, repleta de referências a jogos, filmes e outras obras do gênero, onde o público-alvo desta vez é o adulto… então, me vejo no dever de responder sua convocação e mergulhar junto à gama fascinante de personagens e relatos.

Depois de embarcar em naves, aterrissar em planetas desconhecidos, batalhar contra alienígenas, explorar os confins do universo e fugir de forças que buscavam aprisionar o desconhecido, desde já me vejo ansiosa por mais desse tal de Fractalverse criado por Christopher Paolini – o que sem dúvida acontecerá também a você.

O gigante gasoso laranja, Zeus, descia no horizonte, imenso e pesado, emanando uma meia-luz avermelhada. À sua volta, cintilava um campo de estrelas, brilhando contra o negrume do espaço, enquanto abaixo do olhar descoberto do gigante estendia-se um deserto cinzento riscado de pedras.

Ganhador do prêmio Goodreads Choice Awards como melhor ficção científica de 2020, Dormir em um Mar de Estrelas me fisgou a atenção desde o princípio. A capa que transita entre o relaxante e o intrigante, lembrando tanto o espaço sideral quanto o mais profundo dos oceanos, semelhanças entre os dois ao longo da narrativa são claramente visualizadas,  o cuidadoso e frustrante trabalho em extrair a ideia de sua mente e transformá-la em uma história coesa, a pesquisa realizada que, em sua maioria, agradará os fãs mais exigentes de ficção científica e, sobretudo, a habilidade do autor em criar personagens bem descritos e encorpados além das cenas de ação bastante detalhadas que tornam a narrativa impossível de ser largada. Para aqueles que estão familiarizados com Paolini, encontrarão neste calhamaço scifer o amadurecimento de sua escrita bem como elementos já utilizados em seus livros de fantasia – como a famosa jornada do herói, o apêndice contendo glossário, cronologia e outras informações bastante interessantes acerca do livro e seu longo processo criativo.

Kira Navárez é uma xenobióloga ávida para encontrar novas formas de vida e, como geralmente costuma acontecer quando desejamos muito algo, e nos metemos onde não somos chamados, é exatamente o que se sucede.

De forma gradativa e intrigante, o autor nos leva através do psicológico, das ações e emoções da personagem principal e das pessoas/criaturas e ambientes que a cercam ao longo das seis partes que dividem o livro – além dos diversos capítulos e subcapítulos, que tornam a leitura menos exaustiva apesar das “assustadoras” oitocentas e trinta e duas páginas que compõem o tomo.

Para quem é consumidor ávido de ficção científica, notará diversas similaridades do tal organismo alienígena, encontrado pela personagem em uma expedição e apelidado por xeno que mais tarde descobrimos junto à Kira se chamar Lâmina Macia, com a substância cor de piche que forma o Venom – personagem da Marvel Comics que é um dos inimigos do Homem-Aranha – já que o ser possui características simbiontes ao se fixar tal qual um parasita em determinado hospedeiro – neste caso, Kira – com a capacidade de modificar seu tamanho e estrutura física e molecular, saindo do maleável para o rígido, de um “simples” traje semelhante a uma segunda pele até uma forma complexa de exoesqueleto capaz de interpretar seus pensamentos, medos e anseios, podendo inclusive atirar projéteis quando ameaçado; sem dúvida um pote de ouro que logo diversas entidades militares, humanoides e alienígenas, procuram possuir, replicar ou destruir.

Referências

Apesar da história conter todos os elementos necessários para fixar minha atenção desde o princípio e de praticamente não ter conseguido largar o livro até alcançar o seu final, encontrei referências demais à outras obras, filmes, séries e jogos que minaram um pouco a originalidade buscada por Paolini em sua mais nova obra. Elementos e escolhas que vivenciei, por exemplo, nos jogos da Eletronic Arts intitulados de Mass Effect, onde a exploração espacial, presença de alienígenas que tentam destruir a raça humana, relíquias de seres extremamente antigos que “desaparecerem no ar”; além dos Engenheiros do filme Prometheus que teriam criado a raça humana e a arma biológica que viria a se mesclar com o DNA terráqueo e ser conhecida como Alien; criaturas corrompidas que funcionavam como uma espécie de colmeia atendendo aos desejos de uma rainha, aqui as criaturas são chamadas de Pesadelos e seu cérebro, por assim dizer, Bucho, que encontrei jogando Destiny da desenvolvedora Bungie… contudo, ainda assim considero essa como uma das mais notáveis experiências literárias do ano. Por quê?

Dormir em um Mar de Estrelas leva o leitor exatamente aonde ele precisa ir: para o espaço! É por meio da expertise de Paolini em construir personagens carismáticos, alguns igualmente odiados e amados como os anti-heróis dos quadrinhos, apresentando diversos mundos possíveis de serem alcançados, estudados e explorados, levando uma esperança e possibilidade de avanço científico – algo que outros escritores já utilizaram bastante no passado, como o Bom Doutor Isaac Asimov cuja influência no progresso tecnológico é gritante, e que ainda utilizam – apesar das igualmente notáveis probabilidades de disputas bélicas entre as diversas nações, e espécies, que o encanto pelo desconhecido nos é tão atrativo e, muito provavelmente, jamais terá a força de seu apelo exaurido.

Sendo aqui satisfatoriamente construído, o enredo não possui catástrofes – fora as que são vivenciadas pelos personagens – e o leitor poderá ficar certo de que encontrará uma aventura vibrante de ficção científica para chamar de sua. Tal qual imagens saltando das páginas, a narrativa se transforma em uma história cinematográfica que, no mínimo, irá incentivar você a persistir na leitura para destrinchar os mistérios, segredos, acontecimentos e o que virá depois da grande odisseia vivenciada por Kira e seu Idealis.

  • To Sleep in a Sea of Stars
  • Autor: Christopher Paolini
  • Tradução: Ryta Vinagre
  • Ano: 2021
  • Editora: Rocco
  • Páginas: 832
  • Amazon

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