O Beco das Ilusões Perdidas é o livro escrito por William Lindsay Gresham que inspirou o filme dirigido por Guillermo del Toro indicado ao Oscar intitulado O Beco do Pesadelo.

Ao assistir ao filme, fiquei fascinada com a atmosfera sombria utilizada para discutir questões psicológicas interessantes, como vocês podem perceber na resenha que fiz para o especial do Oscar. Desta forma, quando tive oportunidade de entrar em contato com o livro que deu origem ao filme que tanto me cativou, não tive dúvidas em querer lê-lo. Ambas as obras narram a história de Stanton Carlisle, um homem que trabalha em um circo, mas que decide ascender socialmente, e o faz através da manipulação de outras pessoas a partir de sua habilidade de “ler a frio” (apreender informações sobre outras pessoas sem que elas tenham sido ditas para ele).

De forma geral, o filme seguiu os cenários e principais acontecimentos trazidos pelo livro, porém, com algumas diferenças significativas que os tornam obras complementares, ao abordarem de forma diversa a mesma temática central, mantendo uma essência comum.

Uma das vantagens que o livro traz é a de abordar a história de Stanton ao longo de muitos anos, de forma que podemos perceber o processo de mudanças do protagonista gradualmente ao longo de sua vida. Conhecemos Stan como um jovem adulto, acompanhamos seu envelhecer e as memórias marcantes de sua infância, compreendendo com maior profundidade os caminhos escolhidos e as decisões tomadas por ele. Isso nos traz para um dos pontos interessantes em termos de construção narrativa: Stan não é um personagem construído para que o leitor goste dele. Todos os seus defeitos são apresentados, tanto nas entrelinhas quanto de forma mais direta nos momentos em que ficamos sabendo de seus pensamentos.

Neste sentido, este recurso narrativo lembrou-me de Emma, obra de Jane Austen que segue um estilo e uma temática completamente diversos de O Beco das Ilusões Perdidas, mas que também traz uma protagonista controversa, alguém que toma decisões e tem posturas em relação as quais o leitor não simpatiza, ou até mesmo detesta. Acredito que construir uma história com um protagonista detestável é um recurso narrativo muito interessante e difícil de ser sustentado, já que muitas vezes nos vinculamos a narrativas ao torcer pelo destino dos protagonistas. Desta forma, fica fácil perder o leitor em alguns momentos, e eu mesma posso dizer que por vezes era difícil de ler o personagem tomando certas decisões.  

É através deste personagem cheio de defeitos e atitudes detestáveis que o autor insere uma série de discussões sobre assuntos profundos tão variados quanto: qual o sentido da vida, como lidamos com traumas em nosso passado e como eles nos afetam, e como preconceitos podem moldar a vida das pessoas. Em relação a este último aspecto, fiquei bastante confusa ao longo da leitura, já que muitos personagens com falas preconceituosas apareceram, e em diversas vezes fiquei em dúvida se essa era a opinião do escritor também… Até que cheguei no final do livro, e a aparição breve de uma figura histórica transformada em um personagem me fez concluir que, na verdade, o autor estava criticando a existência de muitos preconceitos, assim como denunciando uma lógica social que afirmava que algumas pessoas seriam melhores que outras.

Confira a crítica de O Beco do Pesadelo

Assim, este é um livro excelente enquanto denúncia, mas está longe de ser uma denúncia otimista. A narrativa traz uma falta de confiança não somente em instituições religiosas, em tratamentos psicanalíticos e psiquiátricos, mas, principalmente, uma falta de fé na humanidade. Esse aspecto narrativo pode ter a ver com a perspectiva de vida do escritor. Na introdução da nova edição do livro, o comentador Nick Tosches fala sobre como o autor desistiu do processo de tratamento analítico pelo qual estava passando. Tosches até mesmo transcreveu uma citação de Gresham na qual ele afirmava que Freud não teria poder nenhum sobre seu estado avançado de adição à álcool.

A introdução também conta como o autor identificava-se, em alguma medida, com Stan. Podemos nos questionar em relação ao próprio autor e suas esperanças em relação à vida, algo que se deixa entrever também na informação contida na introdução do livro acerca do suicídio com o qual Gresham encerrou sua vida em 1962. De toda forma, independentemente de como o escritor enxergava sua vida, podemos afirmar algo a respeito da história de Stanton Carlisle:  se há alguma esperança ali, ela é pequena.

Cabe dizer, como um adendo, que além da informativa introdução, a nova edição de O Beco das Ilusões Perdidas é belíssima, ilustrada com as cartas do tarô que são o título de cada capítulo. Seu único defeito é ter, por vezes, alguns erros gramaticais bobos, que podem ser corrigidos em alguma futura revisão. 

Em geral, O Beco das Ilusões Perdidas é uma história interessante, bem escrita, cheia de profundidade, bastante sofrida e pessimista. Acredito ser importante afirmar que as críticas propostas neste livro são bem inseridas na narrativa, na conduta dos personagens, e são feitas dentro de uma história singular e cheia de camadas, tornando esta obra uma leitura bastante interessante e profunda. Proponho apenas que aqueles que decidam ler esta obra preparem-se para uma leitura densa, que exige bastante reflexão, e que entendam que o tom pessimista do livro é uma forma de ver a vida. Uma forma sofrida, que precisa ser visibilizada e cuidada, mas que não é a única. 

  • Nightmare Alley
  • Autor: William Lindsay Gresham
  • Tradução: Flávia Souto Maior
  • Ano: 2021
  • Editora: Planeta de Livros
  • Páginas: 304
  • Amazon

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