Antes de possuir um corpo próprio, Lovelace era a inteligência artificial (I.A.) de uma nave chamada Andarilha. Seus antigos tripulantes decidiram, com sua aprovação, torná-la quase humana, baseada em diversas conversas em que ela manifestou esse desejo. Porém, uma perda de memória acontece e Lovelace, embora tenha ganhado sua existência extranave, foi reiniciada e deixou para trás uma história com os antigos ocupantes da Andarilha. Agora, já com outro nome, ela precisará conviver em sociedade e encontrar uma maneira de não chamar a atenção das autoridades, pois esse feito é considerado uma violação das diretrizes mundiais.

Não será fácil para ela se adaptar a uma existência mais limitada, sem toda a consciência de que antes dispunha. Sua vida como I.A. dava uma perspectiva ampla do universo ao seu redor, enquanto seu traje humano permite apenas uma visão daquilo que está logo em frente, gerando uma grande angústia e insegurança em Lovelace.

Seu destino também faz parte do de Sálvia, uma mulher que teve um começo de vida difícil, com muitas regras e punições. Presa a um sistema onde o trabalho era impositivo desde pequena e todas as meninas eram designadas por nomes genéricos e números de série, ela conseguiu fugir após uma explosão e uma boa dose de sorte, tendo a ajuda inesperada de outra I.A. que ficava dentro de uma nave em um lixão de sucata metálica para conseguir sobreviver.

Este livro é uma jornada sobre solidão, autoconhecimento e reencontros, com personagens inesquecíveis e, embora tenham capas similares, o segundo volume dessa série escrita por Becky Chambers guarda pouquíssima conexão com seu livro anterior. Aqui acompanhamos diretamente Lovelace depois dos acontecimentos ocorridos na primeira história, mas sem mencionar direito o que se passou naquele tempo, dando a sensação mais realista de que ela de fato foi reprogramada e teve seu sistema reiniciado, já que não há memória remanescente.

Transitando entre passado e presente, a trama aborda a trajetória das duas protagonistas até seu encontro e carrega muitos momentos emocionantes e tensos. Mesmo quando teve cenas introspectivas, na qual as personagens discorrem sobre suas dificuldades e medos, a narrativa não perde o ritmo e só faz o leitor ficar ainda mais intrigado para desvendar o passado das duas e saber o que de fato aconteceu até o instante mais atual.

Foi uma das minhas melhores leituras do ano, algo que me surpreendeu bastante, já que eu não tinha gostado tanto do livro anterior. Acho que a escrita da Becky teve uma evolução grande e ela conseguiu construir uma ficção científica interessante, trazendo para o gênero um lado mais humanizado das inteligências artificiais, sencientes ou não, focando nos dilemas da evolução tecnológica e os limites que são ultrapassados com essas grandes invenções do futuro.

Sálvia e Lovelace me proporcionaram excelentes momentos e se tornaram memoráveis, protagonistas que vou levar para sempre comigo. Com certeza vou querer encarar o terceiro livro, Os Registros Estelares de uma Notável Odisseia Espacial, e ver o que a autora reservou para essa sequência.

  • A Closed and Common Orbit
  • Autor: Becky Chambers
  • Tradução: Flora Pinheiro
  • Ano: 2018
  • Editora: Darkside Books
  • Páginas: 336
  • Amazon

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