Alerta de gatilho: temas como suicídio, abuso sexual, violência contra a mulher, bullying, entre outros, são centrais para o desenvolvimento da produção.

Este é o primeiro texto que escrevo para a “Hora do Drama” e espero, do fundo de meu coração apaixonado por dramas orientais e asiáticos, que não seja o último. Dentre tantas opções, tantas produções que tive o prazer de conferir, consciente e teimosamente escolhi retomar as indicações da coluna com uma história permeada por temáticas delicadas, complexas e profundas. Isso pois tenho tendencia a gostar e me conectar muito mais com produções que se apoiam firmemente na criação de dramas profundos e que trabalhem, de uma forma ou de outra, assuntos relevantes e, ainda, necessários de serem debatidos na contemporaneidade.

Foi desta maneira que relembrei as dores e os traumas de acompanhar “Amanhã“… mas também foi desta forma que relembrei como minha alma se viu lavada após finalizar o drama, e como ressignifiquei e interiorizei suas mensagens e lições!

No primeiro episódio conheceremos Choi Joon Woong, um jovem em busca de emprego que, em suas características trapalhadas e seu coração bondoso, busca auxiliar mãe e irmã no reestabelecimento da família após a morte do patriarca. Sucessivamente ele é recusado e incansavelmente ele retorna para entrevistas de emprego nas quais dificilmente obterá sucesso. Assim os dias transcorrem, até que, numa noite particularmente desgastante, Joon Woong presencia a tentativa de suicídio de um desconhecido. Em sua tentativa de salvá-lo, o personagem acaba por interferir na missão de Goo Ryeon e Lim Ryung-gu, ceifadores que integram o setor de prevenção de suicídio celestial, sofrendo um acidente e entrando em coma.

Com seu corpo humano debilitado, Choi Joon Woong parte para Jumadeung, organização responsável pelos assuntos do submundo, onde recebe tentadora oferta da própria Imperatriz de Jade. Se recusar, ele correrá o risco de não mais acordar, transformando-se em ferida aberta empecilho para a recuperação da família. Se aceitar, ele reduzirá o tempo de recuperação de seu corpo humano e ainda terá a chance de receber um emprego que garantirá o reestabelecimento de sua família.

Tudo que precisa fazer é entrar para a única e desacreditada equipe do setor de prevenção de suicídio de Jumadeung e auxiliá-los em suas missões, elevando seus casos de sucesso e garantindo uma segunda chance para seres que, em seu completo estado de dor apenas enxergam a extinção como saída justa para sua jornada terrena.

Antes de classificar-se como uma produção sobre o suicídio, “Amanhã” é um drama sobre existência e os significados que permeiam a vida. Episódio após episódio, ceifadores e espectador defrontam-se com temáticas atuais, características de um universo em expansão que, na medida em que direciona seu olhar para fora, para frente e para o futuro, parece esquecer-se de olhar para dentro, para os processos tortuosos e dores que incansavelmente carregamos, ignorando que ao deixarmos de trata-las, retornarão com força redobrada a ponto de nos consumir para sempre.

Aspectos psicológicos, traumas e desenvolvimento de personagens são trabalhados de maneira atenciosa, sensível e respeitosa, equilibrando a clássica lentidão dos dramas sul coreanos com doses intensas de avanço narrativo, por meio de enredos e personagens secundários. Deste modo, os problemas e a podridão que uma comunidade anseia por varrer para baixo do tapete transformam-se em espelho que evidencia os detalhes contextuais, históricos, culturais e pessoais que levam seres a ruína, ou mesmo países a trilhar caminhos perigosos cujo preço quem paga são seus próprios cidadãos.

Aqui, o personagem que se alistou no exército, lutou por seu país e após retornar do campo de batalha, foi esquecido e marginalizado, é tão importante quanto a personagem persistente e trabalhadora, vítima de bullying escolar, que carrega as dores de seu passado. Aqui a personagem violentada e abandonada por alguém que sabia que pouco ou nada pagaria, é tão relevante quanto as senhorinhas cujo passado trágico remete a um dos acontecimentos históricos mais tristes da luta coreana contra o imperialismo japonês. Nenhuma história é maior ou menor que a outra. Nenhuma dor é mais ou menos profunda do que a outra.

Em nossas jornadas peculiares, nos desafios que necessitamos enfrentar, em nossos traumas, dores e passado tão habilmente escondido, permanecemos únicos em nossas semelhanças. E ninguém melhor que nós para reconhecer o peso de nosso fardo … mas ninguém melhor que o outro para nos ajudar a carrega-lo … e isto, Amanhã reconhece e explora muito bem!

Dentre tantas produções leves, adoráveis e repletas de um romance irreal que faz brilhar olhos dorameiros, Amanhã segue a linha de produções que arriscam, sutil ou evidentemente, abordar problemas sistêmicos e característicos da Coréia do Sul. Assim, olhares atentos não se decepcionarão ao perceber detalhes sócio culturais, elementos religiosos e crenças, informações históricas e desafios impostos pela trajetória de um país que, após tanto sofrer e lutar por independência, construiu algumas das próprias armadilhas que hoje, em maior ou menor grau, destroem a vida de seus conterrâneos.

Por outro lado, ao abordar, sensível e profundamente, temáticas que não estão restritas apenas a Coréia do Sul, “Amanhã” amplia as possibilidades de conectar-se com os espectadores, sejam eles orientais ou não. Talvez você tenha sido privilegiado o suficiente para nunca ter vivenciado algumas das situações apresentadas, ou talvez nunca tenha conhecido alguém que passou pelos desafios que alguns destes personagens necessitaram enfrentar, mas, definitivamente, é impossível iniciar esse drama e finalizá-lo sem transformar-se completamente.

De maneira equilibrada, tocante, clara e, nos momentos necessários, leve e encantadora, “Amanhã” nos permite relembrar que pouco sabemos sobre aquilo que se passa no interior de outros seres. Suas dores, traumas, desamparo e esperanças somente nos serão conhecidos quando formos capazes de acolhe-los, reconhecendo não existir inferioridade ou superioridade nas vivências e trajetórias de ninguém.

Não se trata de uma produção fácil para os corações fracos. Incontáveis vezes me percebi finalizando episódios com olhos inchados de choro, além de peças que se movimentavam em minha mente e ressignificavam toda uma gama de mensagens, lições e existência. Também não se trata de uma produção para ser conferida com leviandade e despreparo. As temáticas aqui trabalhadas, embora importantes, podem fazer tanto mal quanto bem, por isso é importante preparar-se e conhecer-se o suficiente antes de iniciar a jornada. Mas ah, aqueles que a finalizarem terão acompanhado uma produção que faz jus a fama de seus atores e de tantas histórias exportadas pela Coréia do Sul.

Amanhã (Tomorrow) é adaptado do quadrinho de mesmo nome, ilustrado e escrito por Llama, a série original possui 121 episódios e você pode conferir na plataforma Webtoon

Avaliação: 5 de 5.

  • Tomorrow
  • Lançamento: 2022
  • Criado por: Park Ran-i, Park Ja-kyung
  • Com: Kim Hee-sun, Lee Soo-Hyuk, Hae-sook Kim
  • Gênero: Drama, Fantasia
  • Duração: 16 Episódios - 60 minutos

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