Sabe-se lá quando, exatamente, conheci Lex Croucher. Lembro que, anos e anos atrás, ao assistir vídeos de criadoras de conteúdo literário no YouTube, elu era minha pessoa favorita do grupo. Seu senso de humor peculiar, a maneira como transmite uma aura de seriedade e ironia, o fato de posicionar-se firmemente e defender abertamente as causas em que acredita, sempre me agradaram. O carinho por sua personalidade é tão forte que, após longos anos e diversas limpezas de contas que sigo/seguia no Instagram, elu permaneceu, intacta apesar do período de luto pelo qual passou, de sua redução de postagens e notícias compartilhadas, de minha desconfiança em sua frenética maneira de escrever e publicar livros, e do processo de cirurgia e recuperação pelo qual passou.

Após sete livros publicados – confesso não ser a leitora que se interessa por livros adultos de época, peculiarmente inspirados em Jane Austen, ou Bridgerton e companhia – somente agora encontrei algo pelo qual valesse a pena arriscar tempo de leitura, paciência, entusiasmo e a saída do estilo e gênero de livros que normalmente leio. Foi assim que iniciei Só Para os Fortes de Coração, espécie de releitura e continuação da clássica história de Robin Hood.

“Olha, tenho que ser sincera. Isso não me parece lá muito Feliz. E vocês não são todos Homens. Então, em algum momento aí rolou uma confusãozinha de marketing.”

Imagine o cenário: Robin Hood teve uma filha com Lady Marian, ela se chama Reagan. Robin Hood se afasta de Marian e inicia romance com Will Scarlet. Reagan se casa com Jack Hartley, membro dos Homens Felizes, e tem uma filha chamada Mariel. Quando Robin e Will apresentam sinais de cansado e anunciam afastamento do grupo de justiceiros, Jack Hartley “assume” a posição de comandante e altera grande parte dos princípios que direcionavam as ações e relacionamento dos Homens Felizes com os Homens do Xerife e com o restante do Povo da Floresta!

Esse é o contexto em que Mariel cresceu. Cobrada e pressionada desde a infância, a garota valente e carrancuda sabe manejar facas, espadas e arco e flecha. Em seu posto de capitã, emprega estratégia, pulso firme e seriedade a cada missão, esquecendo que seu grupo de subordinados não é um grupo de soldados em guerra e que os Homens Felizes nunca buscaram transformar-se em milícia da floresta. Em sua constante necessidade de conquistar a confiança e aprovação do pai, ela deixa de presenciar e vivenciar a vida. Nesse ritmo, tudo não ia bem até o momento em que, numa tentativa de sequestro atrapalhadamente frustrada, o grupo de Mariel deixa para trás Rosie, a curandeira idosa que vieram buscar, e levam em seu lugar a jovem Clemence, curandeira aprendiz e gênio da cura e das ervas medicinais.

Aquilo que já não estava bem, vai de mal a pior quando, após reunião com os capitães e humilhação por sequestrar a pessoa errada, os Homens Felizes sofrem uma emboscada dos Homens do Xerife! Ao descobrir que seu pai, Joãozão e outros importantes nomes da hierarquia foram levados, Mariel entra em conflito interno por sentir não existir outra escolha a não ser quebrar todas a regras impostas ao seu coração, ignorar todas as ordens dos outros capitães e agir impulsivamente para salvar o comandante Jack Hartley. Assim, ela e seu grupo valoroso de desajustados impertinentes, junto da tagarela e curiosamente alegre curandeira Clem, saem em missão de resgate … mal sabendo eles que a jornada para a salvação envolveria romance queer, reviravoltas novelescas, contato com a realidade do Povo da Floresta e muita pancadaria!

Só para os Fortes de Coração é uma história jovem-adulto adorável sobre adolescentes e seus traumas, sobre aquele conturbado período de nossas vidas onde tudo e todos podem transformar-se em problemas e soluções de um segundo para o outro. É uma história sobre como somente conseguimos quebrar velhos hábitos e buscar formas mais saudáveis de viver, ser e conviver, se admitirmos que estamos errados e assumimos a responsabilidade por nosso próprio processo de cura.

Acontece que, acima de toda essa reflexão temos uma escrita fluida e cativante. Temos uma releitura divertida e instigante do universo de Robin Hood, além de uma porção considerável de piadas peculiares, aventuras e romance que transformam a leitura em algo leve, divertido e prazeroso. Isso diz muito sobre a habilidade de Lex Croucher perante a construção de narrativas jovem-adulto pois, mesmo a temática queer, a presença de uma protagonista carrancuda, valentona, mal-humorada e fechada, ou todas as reviravoltas e cenas dignas de filmes adolescentes, seriam incapazes de me fazer revirar os olhos e querer jogar o livro pela janela caso a história não fosse bem escrita, fundamentada e trabalhasse aquilo que se propôs a trabalhar.

Só para os Fortes de Coração não possuí rompantes inesperados e despropositados – com exceção de uma única fala em todas as 335 páginas. Não possuí um escritor inexperiente que abre mão da figura do narrador para, expressa e abertamente, inserir pensamentos e críticas sociais que não cabiam ou condiziam ao narrador ou personagem criado e, logo em seguida, seriam esquecidos pela narrativa pois em momento algum fizeram parte dela… tratavam-se apenas de um súbito sentimento de justiça ou necessidade de demonstrar consciência crítica. Do mesmo modo, o romance, parte que normalmente me faz revirar os olhos e reduzir drasticamente a nota de livros do gênero, é humano, consciente, respeitoso e fundamentado na premissa de personagens que vivem nas condições e contextos em que vivem, que possuem as personalidades e características que possuem e que, principalmente, não se transformam em seres sem cérebro cuja única motivação na terra é viver, ou sofrer, pelo ser amado e deixar tudo para trás.

Com um sorriso no rosto, o coração quentinho e um orgulho enorme por nunca ter largado a mão de Lex Croucher, indico essa leitura para todos os amantes de histórias medievais, filmes adolescentes como 10 Coisas que Odeio em Você ou outras pérolas dos anos 2000, romances sáficos e boas histórias de aventura que nos fazem esquecer de nossos problemas e aproveitar um tempo nos divertindo com os problemas dos outros!

  • Not for the Faint of Heart
  • Autor: Lex Croucher
  • Tradução: João Pedroso
  • Ano: 2025
  • Editora: Verus
  • Páginas: 336
  • Amazon

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