The Handmaid’s Tale, série baseada em O Conto da Aia, obra literária de maior sucesso da autora canadense Margaret Atwood, transformou-se em fenômeno da crítica, conquistando diversos prêmios por onde passou, além do coração de espectadores espalhados pelos mais diversos pontos do globo. Devido a popularidade do seriado produzido pela Hulu, a Netflix, demonstra cada vez mais possuir um tino especial para perceber as tendências de mercado, ocupou-se em dar vida a mais uma história da autora, nos presenteando com a forte e delicada
mini série Alias Grace.
Composta por apenas 6 episódios de aproximadamente 45 minutos, a mini série esconde dentro de sua premissa simples uma profundidade belamente costurada entre os eventos de uma narrativa que, com seus recortes temporais, retomada de situações passadas e segredos escondidos, pretende, para além de indagar o espectador acerca da inocência da bela e quieta protagonista, destacar a trajetória de uma mulher que, assim como tantas em situações semelhantes e adversas, sofreram a crueldade e tristeza de um mundo que fechava os olhos para sua existência como indivíduos.
Grace Marks (Sarah Gadon) deixou os verdes campos da Irlanda juntamente com sua família, direcionando-se para o Canadá em busca de melhores condições de vida. A viagem de navio, a precariedade das acomodações e a falta de cuidados necessários durante todo o trajeto acabam por tirar a vida de sua mãe, possibilitando que uma menina confusa e sozinha desembarque com o pai e irmãos em uma terra que não é nada semelhante ao lar que sempre conheceu. A atmosfera opressiva da casa, além do comportamento abusivo do pai, levam a protagonista a trabalhar como empregada doméstica para uma família rica que lhe proporcionaria abrigo e um novo contexto longe das dores do passado e de sua família.
Trabalhando na residência, Grace é notada por Nancy Montgomery (Anna Paquin), governanta de Thomas Kinnear, um tipo excêntrico cuja residência localiza-se em uma área distante do centro da cidade. Por ter perdido a antiga empregada, Nancy procura alguém para ajudá-la com os afazeres da casa, oferecendo uma ótima oportunidade para a jovem que aceita sem muito refletir. Não demora muito para que ela se acostume aos movimentos e horários dos moradores de sua nova residência, compreenda a personalidade única de cada um além de, por meio de pensamentos obscuros, perceba características inconstantes, injustas e cruéis em seus empregadores. É assim que descobrimos que Nancy e Thomas foram assassinados e Grace, condenada e encarcerada, estabelecendo-se, em meio as opiniões de toda a população, como uma assassina fria e calculista.
Nesse contexto surge o médico Simon Jordan, escolhido por um grupo de pessoas que acreditam na inocência de Grace e lutam por sua libertação. Em meio a lembranças, preconceitos e opiniões formadas, o jovem doutor deverá analisar o comportamento da protagonista, descobrir sua trajetória de vida e, em meio a verdades e mentiras, escrever um parecer acerca da sanidade mental da jovem que, muito mais do que vítima ou assassina, lembra um pouco as dores e alegrias de cada uma de nós.
Alias Grace foi o primeiro contato que tive com uma história de Margaret Atwood e, apesar de no momento em que me sento para escrever estas palavras, ter lido apenas uma de suas obras, me arrisco ao ressaltar a habilidade única da autora para criar protagonistas, personagens femininas que, mesmo não possuindo super poderes, não sendo capazes de enfrentar e mudar as regras de um jogo injusto ou ainda, sofrendo com a crueldade de um mundo em que mesmo os homens mais bondosos são capazes de esconder em si todo o contexto histórico que os criou, é maravilhosamente capaz de mostrar mulheres humanas, reais, fortes e que, como e quando podem, fazem o possível para conquistar uma vida melhor.
Essa história vai além do assassinato de dois personagens, vai além da possibilidade de nossa protagonista demonstrar-se inocente ou possivelmente insana, ela é um retrato de toda a opressão de uma época que, por mais que possam acreditar, ainda não chegou ao fim.
O poder desta narrativa está em não apresentar todas as situações e eventos abertamente, e sim, saber explorar as memórias e lembranças desconexas de uma personagem, além de flashes de eventos que, sabemos muito bem, são verdadeiros e somente confirmam os abusos sofridos por Grace, mas não apenas por ela, e sim por tantas outras mulheres que, construídas a sua própria maneira ao longo da série, ressaltam a infinidade de formas de se destruir uma vida.
Com ambientação e coloração calmas, claras e adoráveis, a série esconde da vista o sofrimento de uma legião. Tudo é impecável, as locações, fotografia, trilha sonora, mas principalmente, cores e iluminação, que, ao criarem cenas belas e graciosas, ressaltam como é fácil encobrir um contexto sombrio de crueldade e tristeza.
Alias Grace é forte em sua delicadeza, é ao mesmo tempo graciosa e sombria. A mini série demonstra ao espectador um contexto que, embora não tenha vivenciado diretamente, é facilmente incorporado em seu imaginário, estabelecendo uma conexão preciosa para com a protagonista, fazendo com que a cada nova informação, a cada nova tristeza ou alegria, mais nos preocupemos com ela. Essa é uma história sobre a vida, sobre os fantasmas que carregamos, sobre opressão e abuso, sobre desafios e perseverança, mas também sobre um crime.
Para os apaixonados pela obra de Margaret Atwood, esta é uma indicação a ser levada em consideração, porém, para todas as mulheres que buscam compreender o passado com o intuito de lutar por um futuro, essa mini série – juntamente a tantas outras obras de autoras maravilhosas – é uma obrigação!

  • Alias Grace
  • Criado por: Sarah Polley
  • Com: Sarah Gadon; Edward Holcroft; Rebecca Liddiard
  • Gênero: Drama, Suspense
  • Duração: 6 episódios – 45 minutos

rela
ciona
dos